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Não quero ter sorte ao jogo

Jogo de Sombras

1. O Partido Socialista alcançou, nas últimas Eleições Europeias, uma das mais expressivas vitórias de sempre no concelho da Guarda: quase 52 por cento contra pouco mais de 32 por cento do PSD e do CDS coligados, diferença que foi cinco vezes superior à margem de vitória do PS no distrito e praticamente o dobro da verificada no país. Isto é um facto. Indiscutível. Assolador. Memorável. Mas daí a o PS embandeirar em arco e achar que a colheita está boa para se iniciar a trasfega para as próximas batalhas eleitorais vai uma grande diferença – com desmedida autoconfiança, excessiva ingenuidade e parca modéstia. Nos últimos dois anos o Partido Socialista não fez rigorosamente nada pela Guarda. Os deputados estão na oposição como estiveram na maioria: mudos, quietos, obedientes. Não são activos, são reactivos: inundam as papeleiras do expediente da Assembleia com requerimentos a perguntar o que é que se passou. Sabem pelos jornais ou pelas rádios que fechou um serviço, que se foi embora um médico, que o vizinho vai ter uma universidade – e requerem à respectiva tutela que explique o «porquê». Claro que a respectiva tutela, as mais das vezes, está-se a borrifar para eles e indica-lhe onde podem acondicionar os requerimentos. Oposição desta, que reage a factos consumados e a reboque de notícias, é um sedativo para qualquer poder. Na Câmara os resultados não são melhores. Aliás, este é o mandato da desilusão – na inversa proporção das expectativas que criou. Polis? Um fracasso. Requalificação do centro da cidade? Um fiasco. Parques de estacionamento? Nem um. Sala de Espectáculos? Atrasadíssima. Biblioteca Eduardo Lourenço? Parada porque o construtor ficou liso. Cibercentro? Já fugiram dois empreiteiros. Plataforma Logística? Encalhada. Alameda da Ti Jaquina? É mentira. A «aposta no espaço urbano», a «criação de novas centralidades», a «revolução na paisagem», a «devolução do espaço às pessoas» e a «cidade onde dá prazer viver»? Tudo tretas. E era assim, a dois terços do mandato, que as pessoas iam dar uma vitória clara ao PS só por se tratar do PS? Claro que não. Em primeiro lugar, porque foram poucas as pessoas que se deram ao trabalho de votar nalgum partido. Em segundo, porque as pessoas também deram a Maria do Carmo Borges, com um intervalo de quatro anos, primeiro a mais folgada e a seguir a mais aflita vitória do Partido Socialista na Câmara da Guarda. Ou seja: as pessoas não são estúpidas. Achar agora que a goleada de 52-32 nas Eleições Europeias foi uma vitória pessoal de alguém – de Maria do Carmo Borges ou de algum dos sentados do Caçador – é não ver nadinha de nada. Recostarem-se todos à sombra dos números é dar razão a Fernando Ruas, citado Segunda-feira no “Público”: passamos a vida na Guarda a «ouvir declarações míopes» de responsáveis políticos e precisamos «pedalar para atingir o desenvolvimento registado por Viseu». Custa engolir – mas o homem tem razão.

2. Do que se tratou foi de uma derrota – esta sim absolutamente pessoal e intransmissível – de Ana Manso. A infeliz atoarda com que abriu a campanha ainda terá sido o menos: só a tornou conhecida no país como já a conhecíamos na Guarda. O que contribuiu para o pior resultado de sempre do PSD no concelho foi também uma relação de expectativas e desilusões. Ana Manso passou dois anos a convencer o partido em Lisboa que tinha a Guarda a seus pés e a convencer o partido na Guarda que podia, mandava e queria em Lisboa. Nem uma coisa nem a outra são certas, afinal. O resultado humilhante da coligação esclareceu Lisboa. E foi também a prova de que a Guarda lhe retirou a margem de crédito que quase a levou a ser eleita presidente da Câmara. Porque, em rigor, o que é que Ana Manso – vereadora da oposição na autarquia, deputada pela maioria, dirigente partidária – fez pela Guarda nos últimos dois anos? Nada. Zero. Peva. Esta pode ser a oportunidade para o PSD se refundar localmente, formando alternativas. Se bem que as notícias sobre a morte política de Ana Manso também podem resultar francamente exageradas. Em primeiro porque ela já lhes tratou da saúde uma vez, enquanto dormiam. Em segundo porque os «contestatários» não dão melhores garantias. Se é aquele grupo pejado de gente que passou os últimos vinte ou trinta anos (ou nem tanto: basta recuar sete ou oito meses) a beijar e a trair conforme as circunstâncias, os interesses e os tachos, antes Ana Manso. É como no PS: enquanto a sucessão de Maria do Carmo Borges se limitar ao espectro das cadeiras do Caçador, antes ela. A menos que, por um partido e por outro, a Guarda tivesse a sorte de ver surgir, para as próximas autárquicas, figuras alheias a este pobre inner circle, que dignificassem o combate político e a seguir fizessem alguma coisa pelo nosso futuro colectivo.

3. Fiz uma aposta na noite das eleições: Ana Manso e Maria do Carmo Borges hão-de defrontar-se de novo nas autárquicas porque nenhuma delas terá outro remédio. Façam os leitores figas para que eu não tenha sorte ao jogo. Assim todos teremos sorte no resto.

Por: Rui Isidro

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