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Não Dito*

Um dos nomes mais conceituados do actual pensamento mundial, George Steiner, em livro acabado de publicar em Amesterdão, The Idea of Europe, declara, a dada altura, que a Europa descende, simultaneamente, de Atenas e de Jerusalém, isto é, da razão e da fé, e que o Cristianismo e as utopias socialistas são, apenas, duas notas de rodapé do judaísmo.

Que a Europa vem de Atenas e de Jerusalém, com o que isso teve de drama intrínseco para os europeus ao longo de toda a sua história desde então, é óbvio; que o Cristianismo seja apenas uma nota de rodapé é questão que me ultrapassa.

O que não só não me ultrapassa como tenho como absolutamente seguro para mim, é que o Cristianismo é uma matriz da Europa.

Se na Constituição europeia devia, ou não, figurar que o nosso continente tem raízes cristãs – como querem a Igreja e o Papa – eu, cada vez mais religioso e próximo à doutrina cristã, humildemente opino que não. Aqui sou, tranquilamente, ateniense. “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

Mas que a Europa, na sua identidade, na sua arte, não se compreende sem o Cristianismo – ai isso não.

Um fundo amigo dizia-me há dias que a Guarda tem um fundo cristão. È absolutamente verdade. Que os amantes matem a criancinha com álcool ou que a adúltera meta o amante ao lado dos filhos e do marido e faça do amante o padrinho do filho, isso são episódios que, para aqui não vêm muito ao caso.

Por outras palavras e reiterando o que diz o meu amigo – e reiterando para além da enésima potência: o Cristianismo é um extremamente vigoroso ingrediente que enforma a nossa personalidade.

Quando houve aquele congresso no Porto, em IV-2003, para homenagear o Jesué Pinharanda Gomes, ele convidou-me a apresentar uma comunicação com meio ano de antecedência. Mas como, não obstante as minhas repetidas perguntas, sobre data e outros pormenores, para começar a preparar a intervenção, ele só me clarificou muitos escassos dias antes, assim fiz uma comunicação breve, no final de um muito ocupado período lectivo. ( O final do 2º Período corresponde à ida aos museus madrilenos do Prado e Thyssen-Bornemisza, com os alunos).

A comunicação está já integrada em livro, mas, antes de sair em livro, saiu na Praça Velha ( nº 13).

Repito, brevemente, o que aí disse: “Não me parece estulto afirmar-se que a idiossincrasia egitaniense decorre, substancialmente, da muito forte acção da Igreja e das suas diuturnas consequências, que levaram, portanto, a personalidades sui generis.

Basta lembrar a música popular da actual Beira Baixa interior, desde S. Miguel d‘ Acha e Monsanto da Beira a N. S. da Póvoa de Vale de Lobo. È tão soberbamente impressionante que nenhumas palavras a reproduzem!! Digamos que é o divino tangível. S. Miguel d‘Acha e Monsanto já não pertencem hoje à nossa Diocese. Mas sabem todos que a diocese de Castelo Branco foi desmembrada da nossa em 1771; e sabem também como o estrutural em história persiste.

Trata-se de um conúbio de Cristianismo, paulatinamente instilado, com isolamento físico.”

Fim de citação.

Humildemente seja-me consentido dizer que fui aplaudido e que, na conspícua assistência, havia gente de gabarito e conterrâneos como os Drs. João Bigotte Chorão e Paulo Leitão Batista.

A Guarda tem uma identidade diferente de Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Aveiro, Leiria, …e um traço absolutamente marcante é a religiosidade que a Igreja lhe inoculou.

È por isso que “guardense” me arrepia.

Não sou guardense nenhum – nem quero ser. Sou – e sempre serei – um egitaniense.

Nenhum de vós imagina o amor que tenho pela Guarda – e 16 anos como deputado municipal deram-me preciosos contornos sobre a sua identidade. Mais. Corroboraram a minha interpretação – que é a de Sócrates, digamos – sobre a humana natureza: “Não sou céptico, mas não tenho ilusões”.

A Ciência, neste caso o resultado da História, da Psicologia, da Sociologia, da Psicossociologia, etc., postulam que eu seja um egitaniense. Portanto, sou egitaniense pelas mais densas razões e não por qualquer capricho.

O nome é “emprestado” porque veio da actual Idanha-a-Velha? Sucede é que foi “emprestado” ad eternum, per omnia saecula, seculorum.

Usei o termo “emprestado”, visto que, há pares e pares de anos, fiz a pergunta à própria Doutora Rocha Pereira.- Não somos “egitanienses”? Claro que sim; e deu-me a explicação que acabo de aduzir.

Um grande espírito só pode voar pelos ares mais rarefeitos; e um grande espírito, aqui, é o que tem aptidão para ver o que é um facto irretorquível: a dimensão mais profunda do humano é a religiosa. É o que a História da Arte eloquentemente mostra. E é, apenas, um exemplo.

Não digo que o Dr. Hélder Sequeira não é um alto espírito – ai de mim. Digo – e isso acontece ao estudioso – é que não considerou, talvez esse dado da questão. Dado que não só não é despiciendo, como – bem pelo contrário – é essencial.

Há algo que vem ajudar ao que eu digo.

O termo “guardense” foi um maná para a generalidade de políticos e de jornalistas.

E não julguem que estou a falar do político tópico que aperta o botão quando começa a falar, mas, de seguida, não se dá conta de que as pessoas não o levam a sério, tão estreito de horizontes é. … Apertar o botão ou usar saias.

Falo do Senhor Dr. Jorge Sampaio, que, com todo o devido respeito pessoal e institucional (sou republicano, filho de republicano), é de muito estreitos horizontes.

Em subtil intuição a Contra-Informação da R.T.P., quando eu a via, tratava-o por “Jorginho, pá”; e a Grande Reportagem, nº 172, de 24 a 30 de Abril transacto, em artigo assinado por José Manuel Barata-Feyo, zurzia nele.

Em resumo, dizia Barata-Feyo o seguinte: ” Ao escutar Jorge Sampaio, não consigo dissociá-lo daquele conjunto de admiráveis teóricos que tomam a bica na Avenida da Liberdade depois de terem descoberto a realidade da província, ao acaso de um fim-de-semana”.

Senti – e sinto – grande incómodo pela superficialidade do Senhor Dr. Jorge Sampaio, a partir do texto – inteligente – de Barata-Feyo.

Com todo o devido respeito pelos jornalistas, também não uso “guardense”. Dizer que o “guardense” me causa vómitos não é propriamente metáfora. Melhor. Sinto um mal-estar visceral.

O sentimento da densidade da História, o reflectir sobre ele, não se coaduna com o emprego de qualquer termo. A palavra exacta é um postulado ético, moral, relacional, social, cultural, psicológico, ….

A palavra é um Espírito, o Divino.

È o verbo do Cristianismo.

* Não dito, porque no final da apresentação do livro do Dr. Hélder Sequeira, sobre Ladislau Patrício, não foi facultada a palavra à assistência.

– Felicito vivamente o autor da obra, a quem, no fim da dita sessão, li este texto.

Por: J.A. Alves Ambrósio

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