Os resultados das eleições europeias não podem nem devem ser desvalorizados – mas também não se deve tomar a nuvem por Juno.
O PS vence inequivocamente estas eleições, elegendo 12 deputados contra 9 da coligação Força Portugal, e obtendo uma votação que, percentualmente, fica dez pontos acima do PSD/PP. É o melhor resultado de sempre do PS em termos percentuais, é a melhor votação entre os partidos socialistas europeus e é a pior votação de sempre da direita unida – e a abstenção, sendo muito significativa, ficou ao nível de 1994, o que mostra que o efeito da morte dramática em campanha de António Sousa Franco não se fez sentir.
Esta votação representa assim o cansaço e o descontentamento dos portugueses perante os dois difíceis anos que passaram, o que era previsível. E, não por acaso, João de Deus Pinheiro lamentou que os dados do INE, conhecidos quarta-feira e que dão um crescimento de 0,1 por cento do PIB no segundo trimestre do ano, invertendo uma quebra sucessiva de sete trimestres, não tivessem merecido o devido relevo, devido ao barulho mediático provocado pela morte de Sousa Franco e pelo início do Euro 2004. Deus Pinheiro, contudo, engana-se. Vai ser preciso bastante mais em matéria de crescimento para mudar o estado de espírito dos portugueses.
Dito isto, convém no entanto sublinhar que eleições europeias não são eleições legislativas. Cavaco Silva perdeu eleições europeias a meio do seu primeiro mandato e depois obteve a sua segunda maioria absoluta nas legislativas. Mas também é verdade que agora que se entra num novo ciclo eleitoral esta vitória pode dar uma embalagem ao PS para obter novos sucessos.
Finalmente, da noite eleitoral sobressaem três figuras. Durão Barroso fez, de novo, um excelente e equilibrado discurso: reconheceu a derrota, admitiu que existe descontentamento perante a conjuntura e as reformas, mas que não é por isso que vai mudar de política, porque considera ser esse o rumo correcto para o país. Foi humilde q.b., foi convicto q.b. e mostrou, de novo, que por si só vale bem mais que todo o Governo.
Ferro Rodrigues foi o vitorioso da noite. Desde que tomou posse como secretário-geral do PS em Dezembro de 2001, em circunstâncias muito difíceis, comeu o pão que o diabo amassou. Já merecia uma vitória. Conseguiu-a ontem – e aproveitou-a para dizer que se vai candidatar de novo a secretário-geral do PS no próximo congresso dos socialistas. Se havia dúvidas, elas estão desfeitas: Ferro é de uma enorme persistência e está disposto a ir até onde está o pote de mel, ou seja, as eleições legislativas de 2006. Os seus adversários externos e internos vão ter de contar com ele.
Finalmente, sob um aspecto frágil, Matilde Sousa Franco mostrou uma enorme força interior e deu uma enorme lição de civismo. Depois da morte inesperada e brutal do marido na quarta-feira e de estar certamente com os sentimentos em carne viva, votou logo pela manhã de domingo e apelou aos portugueses para também o fazerem, independentemente do seu credo político. E, à noite, esteve presente na sede do PS para assistir ao discurso de vitória do líder socialista. Exemplos destes fazem-nos falta, fazem falta à democracia e tornam-nos a todos melhores pessoas.
Por: Nicolau Santos
Rede Expresso