Portugal aderiu à União Europeia (UE) (na altura, CEE) em 1 de Janeiro de 1986. Esta é também a data da normalização democrática do país, depois de um conturbado e prolongado período iniciado em 25 de Abril de 1974. A entrada na União Europeia coincidiu com a estabilização política do país: pela primeira vez, desde a fundação da República, Governos eleitos democraticamente iriam cumprir os mandatos até fim. Foi também o reinício de um período de forte crescimento económico e de convergência real com a Europa; entre 1986 e 2000, a taxa média de crescimento do PIB real foi de aproximadamente 4,1%, o que permitiu um aumento do PIB per capita português de 55,5% para 75% da média da EU. Mas uma verdadeira revolução foi a que ocorreu então ao nível social e cultural. De forma muito breve, podemos dizer que foi durante esse período que o Estado Providência se tornou realidade em Portugal, com a massificação do ensino, a generalização do Serviço Nacional de Saúde, etc.
Com estas condições, até 1999, ou seja, até à entrada no EURO, e com um processo de convergência nominal notável pelo meio, a Europa e Portugal formavam para os portugueses uma união perfeita. A baixa das taxas de juro reais alimentou uma deriva consumista baseada no endividamento. 0s portugueses puderam finalmente participar dos hábitos de consumo dos nossos vizinhos Europeus, até porque esses começaram a ser observados in loco, em resultado do grande aumento nas deslocações turísticas ao exterior. A Exposição Universal de Lisboa e a inauguração da Ponte Vasco da Gama (à altura a mais longa da Europa, ou talvez mesmo do mundo!), em 1998, terão coincidido com o auge desse sentimento de união dos portugueses com a Europa: olhávamos para a Gare do Oriente e sentíamo-nos europeus de verdade (embora a viagem até ao Porto ainda demorasse as mesma três horas que o ‘Foguete’ nos anos 60, e que viria a demorar o ‘Pendular’ do século XXI; pode ser que com o TGV …).
Em 2001, começam a surgir sinais de desaceleração na economia mundial. A economia americana atingiu em Março de 2001 o pico da mais longa expansão económica da sua história e havia ameaças de uma recessão mundial: o Japão não apresentava sinais de recuperação de uma crise em que se encontrava há já 10 anos; o Leste Asiático, a Rússia e América Latina ainda procuravam recompor-se da crise financeira/cambial de 1998; e a Europa apresentava indicadores económicos preocupantes. Por cá, no ano de 2001, e apesar de um milhão de portugueses estarem de férias no Algarve por altura da Páscoa (António Guterres, o então Primeiro Ministro, dixit), também já havia sinais de crise. No entanto, o PIB ainda cresceu cerca de 2%, mas o défice já foi de 4,1% do valor do PIB – valor a que chegou uma comissão independente supervisionada pelo Banco de Portugal. Estávamos no pelotão da frente … na violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Foi então que começou um sério processo de introspecção nacional e, ao mesmo tempo, os ‘problemas’ com a Europa. Percebemos que já não tínhamos política monetária (esta era agora decidida em Frankfurt) não podendo proceder a desvalorizações da nossa moeda para repor a competitividade das nossas exportações, e que, se gastássemos demais, soava na Europa um alerta rápido e mais algumas ameaças. Tomámos consciência do atraso da nossa economia e que alguns dos instrumentos que tinham até aí sido utilizados para o disfarçar se tinham esgotado. Voltaram a ouvir-se vozes sobre se a adesão ao Euro teria sido uma decisão acertada. Sim, dizem eles, a Dinamarca, a Suécia e a Inglaterra não aderiram ao Euro e estão muito bem! Já agora, acrescento eu, a Noruega nem sequer aderiu à UE e também está muito bem. Comparações que valem o que valem.
A verdade é que, de uma maneira geral e com a Convenção Europeia pelo meio, os políticos (e muitos comentadores ao seu serviço) passaram a olhar com preocupação para a regulação supranacional imposta pela adesão ao Euro, que se traduziu numa forte restrição ao uso das políticas de gestão do ciclo económico. A face mais visível desse desconforto foi a discussão em torno do PEC.
Portugal depois de ter sido o primeiro país a violar o PEC, conseguiu em 2003, pelo segundo ano consecutivo, cumprir o objectivo de um défice orçamental inferior a 3% do PIB. No entanto, é mais ou menos consensual que o défice português, sem as receitas extraordinárias, teria sido, no ano que passou, muito próximo de 5% do valor do PIB. Ora, quando analisamos os défices dos países desenvolvidos desde a 2ª Grande Guerra, só muito raramente conseguimos encontrar défices superiores a 5% do valor do PIB – para encontrarmos esses valores temos de olhar para os países da América Latina. Neste contexto, a questão que se deve colocar aos críticos do PEC é se defendem um défice superior a 5% do valor do PIB? Claro que não! Mas com um défice dessa ordem parece difícil dizer que o PEC constitui restrição efectiva à resolução dos problemas que afectam os portugueses e a sua economia.
O Professor Ernâni Lopes – hoje considerado um dos melhores, senão o melhor Ministro das Finanças do pós-25 de Abril – disse há uns anos, referindo-se ao difícil período de 1983-85, que o que fez naquela época foi simplesmente aplicar as receitas que vêem nos manuais de macroeconomia para corrigir os desequilíbrios que atingiam a economia portuguesa. O difícil, dizia ele, é o resto – isto é, o verdadeiro desenvolvimento do país.
Mas, se o ex-ministro supracitado tem razão, não parece que alguma regulação supranacional sobre as políticas macroeconómicas portuguesas seja negativa para os portugueses – a este propósito, parece suficiente referir os exemplos diários de desperdício irresponsável de dinheiros públicos. Na verdade, a regulação da EU só é má para os políticos porque lhes retira capacidade de gestão do ciclo eleitoral no curto prazo e, por exclusão de partes, os obriga a concentrarem-se mais nas questões de médio e longo prazo. O problema é que os resultados destas dificilmente são visíveis no período correspondente ao de um ciclo eleitoral. Melhorar o ensino, a saúde, a justiça, a segurança, a administração pública, a gestão das infra-estruturas, o ordenamento do território e dos nossos recursos naturais, não se faz e não se vê em quatro anos.
Assim, talvez a visão de longo prazo, que a regulação supranacional da UE introduz na política portuguesa, contribua para reduzir o desfasamento entre os interesses eleitorais de curto prazo dos partidos políticos e o bem-estar da sociedade portuguesa no médio e longo prazo – este, como sugeria o Professor Ernâni Lopes, está muito para além da gestão cíclica das variáveis macroeconómicas.
Por: Fernando Alexandre