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O princípio da integração inclusiva

Na fria e nebulosa celebração dos 60 anos sobre o Tratado de Roma, a União Europeia devia refletir sobre o erro fundamental que tem estado a corroer, desde há muito, a coesão e a esperança num projeto comum europeu, a ponto de a nuvem da desagregação se ter tornado presença constante e duradoira no horizonte de todos os europeus. Uma preocupação de integração que abandona preocupações de inclusão, sacrifica esta para alcançar aquela, só pode produzir ressentimento social entre europeus e ressentimentos nacionais entre estados membros da União. Era preciso ter percebido que não há integração livre sem inclusão.

Do poder político da Polónia, que não é o mesmo que a sociedade polaca, continuam a não soprar bons ventos. Semanas depois das repugnantes declarações de um eurodeputado misógino, que foi merecidamente penalizado, agora são de novo representantes políticos da Polónia a encherem a boca, e de forma muito consequente, com declarações e posicionamentos indiferentes a maiores realizações de inclusão social. Com o argumento de que as preocupações sociais atrapalham metas de competitividade, não se obteve o pleno necessário para a aprovação de um documento claro de vinculação europeia a objetivos sociais. Como é possível em tempos de tanta incredulidade europeia não perceber que nenhum projeto de Europa comum – seja económica, seja ambiental, seja de defesa – será consequente se não houver uma Europa social? Ou, percebe-se demasiado bem que já não é uma Europa comum, mas uma instrumentalização hipócrita da própria ideia de um projeto europeu, o que interessa à agenda eurocética nacionalista. Com efeito, se a União for apenas um mercado económico, for apenas um assunto de negócios, em que nenhum sentido de comunidade sai fora da esfera dos nacionalismos, é mais que certo que nenhuma esperança se pode guardar, por voluntariosos e crédulos que sejamos, para um futuro europeu de coesão.

Ao menos fora da esfera de influência da hipocrisia populista que vai medrando pela Europa, o princípio da integração inclusiva devia ser claro. Contudo, as lideranças desta Europa conseguem sempre perder a oportunidade de trazerem alguma claridade aos dias. A sombra da opacidade, a tal nuvem no horizonte, tem participações de muitas índoles e não apenas populista. Uns não veem bem ao longe, outros veem demasiado bem ao perto. Em termos práticos, vai dar no mesmo. Nem sequer no momento da celebração do tratado fundador, desperta um sentimento de genuína e calorosa convicção europeísta.

Por exemplo, o que é isso de uma construção europeia a velocidades diferenciadas? Se significar uma conformação da União à desigualdade entre estados membros de primeira e estados membros de segunda, se calhar até de terceira, em que uns acabarão fora do espaço Schengen, outros do Euro, outros do plano de acolhimento de refugiados, de acordo com as suas conveniências ou inconveniências, prevalecendo as razões egoístas sobre o princípio de uma integração inclusiva, então essa é uma orientação inaceitável. Mas se, pelo contrário, pudesse significar uma assunção de que a União pode acomodar geometrias variáveis de desenvolvimento e, dessa forma, alcançasse uma mais eficaz integração inclusiva, então sim. Mas, de ambiguidade em ambiguidade, formuladas em perfeito eurocratês, tudo parece orientar-se nas meias tintas que não dão razão, mas aquecem a onda de calor populista.

Por: André Barata

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