À vitória de Donald Trump nas presidenciais americanas seguiu-se a já normalizada cacofonia opinativa. Trump venceu porque os americanos são incautos ignorantes – já no Brexit vencera uma maioria iletrada. The Donald ganhou porque os democratas escolheram Clinton e não Sanders. Trump só teve o voto das classes médias e trabalhadoras deixadas para trás pela globalização e progresso tecnológico. Se é agora presidente eleito deve-o aos brancos, velhos e sem instrução. Ou ainda, esta catástrofe é responsabilidade das incapazes empresas de sondagens e dos enviesados meios de comunicação social. A democracia liberal foi atestada de morte onde cresceu e se fez adulta. Só que o desafio destes tempos não passa por perceber o que aconteceu mas o que está a acontecer. E isso ninguém sistematiza no Facebook ou no Twitter, essas fogueiras inquisitoriais avessas à pós-moderna multiplicidade contraditória.
Depois da eleição pouco do que se previra aconteceu. Se os mercados reagiram mal num primeiro momento, depois acumularam ganhos na expectativa de que a “keynesiana” aposta em infraestruturas de Trump estimule a maior economia mundial. O industrial Dow Jones renovou máximos históricos. Se calhar Trump não é um “Trumpnado”. Reuniu-se com Obama sem insultos de fazer corar mas com um avermelhado rosto nervoso. Até pediu “aconselhamento” ao ainda presidente e reconheceu que nem tudo é mau no Obamacare, reforma que só depois da frenética campanha eleitoral teve tempo de “googlar”, admitiu. Estamos no campo da aleatoriedade.
Sem aspirar a grandes conclusões – que as não tenho – este resultado é uma lição para a Europa. E Portugal. Se há coisa que o Brexit e as presidenciais dos EUA mostraram é que a desilusão e a fúria suplantaram o(s) medo(s). Mesmo instigados com o medo da incerteza inerente à saída do mercado único e à fuga de empresas e capitais do Reino Unido, os britânicos preferiram a certeza do conhecido à burocrata incerteza de Bruxelas. Por cá quem sempre fala no diabo deve repensar a estratégia (ou a falta dela). Nos EUA não funcionou o medo a Trump em que assentava a narrativa pró-sistema de Clinton. Prevaleceu o ódio ao “establishment” dos 99% que não são muito ricos, mas também a indignação contra o “globalismo sem governança”, para citar Adriano Moreira. Ganhou a nação, a comunidade e o apego a valores esquecidos pelo multilateralismo. Perdeu o modelo único dominante, federalizante e neoliberal. É um alerta para os federalistas de pacotilha que peroram Europa fora sem ver o que está a acontecer.
Quando em simultâneo falta representatividade e crescimento económico e aumenta a desigualdade, não há integração possível. As soberanias em Espanha são um bom mau exemplo num país que cresce 3%. Porque o poder executivo está na soberania. E vem aí um referendo em Itália que pode derivar em duas crises sistémicas, política e bancária. Depois há eleições em França e na Holanda (e na Alemanha, mas com outros contornos) que podem ditar o princípio do fim do euro e o fim do princípio da desintegração europeia. Antes de Trump vencer já estávamos a perder.
Por: David Santiago