A maior parte dos escritores, grandes nomes conceituados ou simples anónimos, escreve histórias ficcionadas ou facilmente ficcionáveis.
O que aqui me traz hoje, contudo, não é a apresentação de uma ficção. Não é também a apresentação de um livro técnico, nem tão pouco de uma edição didáctica.
O meu objectivo é falar-vos de um pequeno grande livro intensamente vivenciado por quem o redigiu. Escrito em forma de diário, num momento em que a sua autora descobre ser portadora de uma doença crónica, trata-se de um relato de coragem e esperança. Ela mesma o refere no seu prefácio: “Sofro de um cancro crónico, e quis fazer deste livro uma mais-valia na minha luta. A escrita mostra-me o medo em forma de música. Dá cores à esperança, um tempo.”
De leitura fácil e sentida de quem só pode escrever deste modo por ter vivido intensamente cada palavra, destina-se a todos os leitores mas, sobretudo, destina-se àqueles que sofreram ou sofrem de problemas semelhantes.
Corinne Mirande, a autora deste diário, é natural de Pau no Sul de França, e lecciona, há já 10 anos, Língua e Cultura Francesa no Departamento de Línguas e Culturas da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda.
Nada melhor do que as suas palavras, que apenas nos limitamos a traduzir já que o livro não está ainda traduzido para português, para descrever este momento difícil da sua vida. Deixemos então falar a autora…
“18 de Fevereiro, 2000.
Quarto 33, ainda.(….) é quase meia-noite. Recuso qualquer sonífero. Cada instante é para mim uma graça, uma oferenda, um fruto que desejo saborear em plena consciência (…) a liberdade que me resta (…). Sentindo o fim aproximar-se, tomo uma resolução: manter-me digna até ao fim (…). Que rosto terá a minha morte?” (p.9)
“22 de Fevereiro, 2000
Apesar do grande cansaço que sinto (…) quero conhecer a minha doença. No outro dia, no hospita,l um enfermeiro disse-me: “sabe o corpo aguenta muito se a cabeça se mantiver lúcida” esta frase, que não cesso de repetir-me, abre-me a primeira janela sobre a esperança.” (p.11)
“4 de Março, 2000
Sem fôlego, dou pequenos passos. No corredor da morte, espero a minha hora (…). Hoje, vivi cada instante como se fosse o último.” (p.12)
“21 de Março, 2000
São 15 horas. Lá fora um sol tímido. Não me sinto muito cansada e decido aproveitar a tarde para ir comprar a minha peruca (…). Tenho a sensação de “estar como antes”. (…) pareço um boby.” (p. 14)
“2 de Abril, 2000
(…) Tinha tantos projectos para o futuro. Agora tenho dúvidas (…), o que posso voltar a fazer? Em que vou tornar-me? O que vai acontecer-me” (p.17)
“12 de Julho, 2000
As minhas análises melhoraram. Mas sinto-me como que destruída (…) um abismo.” (p.29)
“10 de Setembro, 2000
Passo estes dias muito tempo deitada sobre a cama (…) dores. (…) quando poderei de novo banalizar o movimento, passar da cama ao sofá e do sofá à bicicleta, da horizontal à vertical, do – ao +?!!” (p. 31)
15 de Fevereiro de 2001
“Primeiro aniversário do meu diagnóstico. Estou cansada. (…) mas estou bem. Penso voltar ao trabalho, refazer as malas e viajar um pouco. (…) Procuro integrar a doença numa existência normal ou quase.” (p. 36)
16 de Maio,2001
” A minha decisão está madura como um belo fruto! Vou retomar o trabalho em Outubro (…) Sinto-me melhor. Talvez consiga conciliar a minha doença com uma vida normal. (p. 41).
7 de Outubro de 2001
É o dia J. Guarda, (…) 21 meses depois da partida (p.44)
Mais palavras para quê? A autora deixou-nos sem voz para dar voz a algumas pessoas que, no momento da sua hospitalização, viviam também a terrível tragédia de enfrentar o cancro: Roland, Geneviève, Cédric, Evelyne….
Hoje convive agilmente com uma doença que sabe nunca a deixará. Entre tratamentos preventivos e regressos a França regulares por causa do seu estado de saúde, agora estabilizado, entre as suas aulas no IPG e os seus passeios solitários pela cidade mais alta, respira avidamente o melhor ar do mundo. Sente-se feliz porque cada dia representa mais uma vitória.
Resiste, e algures venceu, porque é uma lutadora.
Quis deixar-nos o seu testemunho. Sinto-me honrada por poder partilhá-lo convosco.
Por: Elisabete Constante de Brito