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OE 2017: começa a discussão

Dobrada a metade do mês de setembro e testemunhadas as primeiras chuvas, a época dos incêndios dá lugar à do Orçamento de Estado. No horizonte de possibilidades do Governo começa a ser discutido um aumento da taxa de solidariedade para os rendimentos anuais superiores a 80 mil euros. Aventa-se a hipótese de um tributo extra de 2,5% a partir desses 80 mil euros e de 5% para rendimentos anuais superiores a um quarto de milhão de euros. Decerto haverá quem no espaço público se escandalize, mas esta é uma medida socialmente justa. A distribuição de rendimentos em Portugal persiste entre as mais desiguais na Europa. Além disso, e confiando em dados de um estudo do Observatório das Desigualdades, os 5% mais ricos em Portugal (precisamente os que ultrapassam o limiar dos 80 mil euros anuais) são, comparando com os 5% mais ricos de qualquer outro país europeu, os que dispõem de maior porção de rendimento familiar disponível. Face a estes dados comparativos, é razoável que, a ser necessário maior esforço fiscal, deva incidir sobre os maiores rendimentos. Mesmo não sendo necessário maior esforço fiscal global, os mesmos dados justificam uma mais justa repartição do esforço fiscal.

Na discussão do Orçamento de Estado que se avizinha, outro aspeto que deve ser considerado é a posição da CGTP, que desde o seu último congresso, tem defendido que em 2017 o salário mínimo nacional, estando atualmente nos 530 euros, suba para os 600 euros. A esta, acrescentou esta semana a reivindicação de um aumento dos salários na ordem dos 4%. Indiscutivelmente estas reivindicações são justas, num quadro de degradação salarial que já leva alguns anos. Contudo, a justiça da reivindicação não pode descurar a sustentabilidade da mesma. Sob pena de virar-se o feitiço contra o feiticeiro.

É neste contexto que um Governo com maiores preocupações igualitárias que os anteriores deve saber gerir prioridades de maneira a alcançar melhores resultados sem, contudo, ficar descalço, o que, como sabemos, pode muito facilmente acontecer, e nem sempre por razões imputáveis à governação. Gerir prioridades significa dar prioridade a um aumento sustentável do salário mínimo. Talvez não seja possível um aumento de 70 euros, mas talvez seja menos impossível ficar lá perto se nos dispusermos a não tomar como tão prioritário um aumento salarial generalizado de 4%. Talvez, antes, fosse importante restaurar a normalidade nas progressões das carreiras, algumas interrompidas quase há uma década.

Certo é que este Governo, ao fim de um ano, já merece duas menções de mérito orçamental. Ainda nenhuma norma foi dada por inconstitucional e ainda nenhum orçamento retificativo teve de ser levado à Assembleia da República. Com realismo e clareza de objetivos, só podemos desejar que a discussão do OE de 2017 conserve estes méritos.

Por: André Barata

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