O que se passou em Ponte de Sôr deixou de ser simples. De um possível caso de delinquência juvenil, ainda que com consequências graves para o jovem Ruben Cavaco, vítima de agressões severas, podemos facilmente resvalar para uma situação em que as relações entre dois Estados soberanos poderiam sair afectadas. E não só por responsabilidade do país dos alegados agressores. Dada a sequência dos factos, nenhum dos dois Ministérios dos Negócios Estrangeiros parece ter grande tacto diplomático.
O estatuto de imunidade diplomática tem as suas razões, até históricas. É um ingrediente importante do direito público internacional, que garante uma maior capacidade diplomática a pessoas que se deparam, não raro, com condições de fragilidade no exercício das suas funções em representação de um Estado. Mas a imunidade política não é uma isenção do cumprimento da lei civil. Se a imunidade confere a quem dela beneficia uma protecção contra a aplicação ordinária de um dispositivo de normas, não confere, contudo, o direito ao desrespeito por essas normas. O benefício da imunidade está também inscrito num quadro normativo que deve prescrever os contextos da sua legítima invocação, como os da impertinência da sua invocação. Os procedimentos do levantamento da imunidade devem ser claros e a demora da tramitação da aplicação de tais procedimentos deve prevenir-se de fugas dos visados, de manobras de diversão da diplomacia iraquiana, que já vai procurando, fora de qualquer enquadramento correcto, inverter o ónus, aludindo a islamofobia e evocando legítima defesa dos filhos do embaixador. Mas deve, sobretudo, prevenir-se de fazer concessões por respeito a conveniências diplomáticas que mais não significariam do que a prática de uma diplomacia sem lei. É que esta é feita em nome dos Portugueses e deve pautar-se pelo maior escrúpulo. Por isso, não há que recear fazer os jovens iraquianos enfrentar a justiça portuguesa.
Por: André Barata