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As outras metas europeias

Portugal arde muito mais do que a média dos países europeus. Nos últimos sete anos ardeu em média quase o dobro do que o segundo país que mais arde. Quase o dobro dos hectares ardidos na Grécia pela mesma extensão de território. Portugal arde tanto que, apesar da sua modesta área territorial, este ano já conseguiu arder mais do que o resto da Europa toda junta. Portanto, também mais do que a vizinha Espanha, cinco vezes maior, ou do que a igualmente meridional Itália, três vezes maior.

A virtude da estatística é esta mesma: ser fria e desapaixonada. Não há maluquinhos pirómanos que expliquem esta anomalia estatística. E também não é satisfatório dizer que é aquecimento global, se tem consequências tão anormalmente localizadas em Portugal.

O problema é estrutural e estruturalmente nacional. Ou seja: um problema que tem de ser enfrentado politicamente. Há eucaliptais a mais, monoculturas florestais a mais, de eucalipto, mas também de pinheiro bravo. Há terrenos por limpar a mais, terrenos que não pertencem na sua esmagadora maioria ao Estado mas a privados. E há falta de utilização adequada das áreas florestais, há falta de gado de pastorícia nessas áreas, há falta de inibidores à liberalização do eucaliptal. Era preciso um plano com metas que fossem médias europeias. Estas sim, metas europeias que importa alcançar.

Na raiva da impotência perante os fogos, muitos exigem penas máximas para os pirómanos. A comoção é compreensível, mas não se deveriam então incluir nas mesmas contas também pessoas normais que muito inconscientemente abrem a janela do carro para lançar uma beata acesa para a berma? E uma vez considerado este pequeno detalhe, estaremos tão à vontade com o justiceirismo precipitado?

A distância desapaixonada mostra facilmente que o problema estrutural não são os pirómanos, mas as condições óptimas que estes encontram para a sua loucura. O pior não é haver muitos incêndios, mas que tenham consequências tão desastrosas. Uma comparação é elucidativa. Nas últimas décadas, os esforços na prevenção rodoviária conseguiram conter o número de acidentes. Mas o grande resultado alcançado foi outro: a diminuição extraordinária da sinistralidade rodoviária mortal. Ainda há 20 anos morriam mais de 2 milhares de pessoas por ano nas estradas portugueses. Por trágicos que sejam, desde há anos para cá o número de vítimas mortais nunca mais ultrapassou a casa das centenas. Nos incêndios, o ângulo de abordagem devia ser o mesmo: porque arde tão facilmente o país?

Um problema ser estrutural não significa ser endemicamente inevitável. Dizer que “somos um país de pirómanos e de loucos ao volante” parece um desapontamento franco, mas na verdade é uma fraca desculpa. Se a prevenção rodoviária conseguiu alcançar metas de médias aceitáveis, não há nenhuma razão, se não a incompetência ou a inércia, para que se presuma que o mesmo não esteja ao alcance em matéria de incêndios. O desastre que é vermos ano após ano o país a arder mostra, acima de tudo, que ainda nos falta vencer desafios fundamentais. Com boas, consistentes e constantes políticas. Como se conseguiu com a taxa de mortalidade infantil, por exemplo, hoje uma das mais baixas do mundo. Quem o diria há umas décadas atrás.

Por: André Barata

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