Nesta discussão, muitas vezes estéril e sem sentido, ouvem-se as vozes dos que defendem a posição da entidade patronal, dos que defendem a posição de que os trabalhadores deveriam abdicar dos seus elementares direitos para a parangona neoliberal de “paz social”. Felizmente que há sindicatos que não abdicam do primado da defesa dos interesses e direitos, uma vez que a luta de classes coloca efetivamente o tom na dura realidade da escravização nos locais de trabalho, umas vezes explicitamente, outras implicitamente.
Muito poucas vezes se ouvem as vozes dos trabalhadores e dos seus representantes. Daí que aproveite este espaço para contestar os detratores da natureza e função de cada trabalhador, que alguns eufemisticamente designam de colaboradores. Fico perplexo com alguns trabalhadores que absorvem a linguagem neoliberal de “domesticar” a natureza de classe, à qual cada trabalhador pertence. Muitas vezes tentam impor a ideia de que direitos e privilégios são a mesma coisa, temos trabalhadores indignados com os malandros que não querem trabalhar ou que exigem claramente e em unidade os seus direitos. São esses mesmos trabalhadores que se atraiçoam quando votam nos partidos políticos que, à luz da dita concertação social, acordam entre o patronato, UGT e Governo no roubo de direitos e não privilégios, como no trabalho extraordinário, o banco de horas, adaptabilidade e polivalência de funções. Foi nos governos do PS e PSD/CDS que a UGT assinou acordos vergonhosos no roubo de tempo para a progressão na carreira da esmagadora maioria dos trabalhadores da administração pública.
Ser devidamente remunerado quem trabalha ao sábado, domingo, feriados e por turnos, como acontece com os enfermeiros, é da mais elementar justiça. No entanto, os aliados desta causa ainda não chegam, temos que reforçar as suas posições pela via do voto nesta democracia burguesa. Não deixa de ser sociologicamente interessante de analisar esta postura de quem, explorado todos os dias, acha que os que lutam para atenuar a sua exploração estão a querer uma vida de lordes e até exigem não trabalhar aos sábados, imagine-se. Mas apesar da compreensão do fenómeno, no âmbito do entendimento do complexo momento que atravessa a correlação de forças no contexto da luta de classes, não deixa de ser enervante ouvir trabalhadores a avaliar a posição digna de outros trabalhadores de forma negativa e virarem a sua indignação contra aqueles a quem deveriam a sua solidariedade de classe.
Alguns camaradas questionam-me: querias consciência de classe generalizada quando todos os minutos do dia te dizem que não existem classes, que os trabalhadores são colaboradores, que um direito adquirido pela luta passa a privilégio se for colocado em causa pelo patrão ou por proposta do governo?
Claro que quero e luto por isso, tal como milhares de camaradas e trabalhadores com maior consciência de classe na denúncia de todas as situações de acumulação extrema de riqueza associada à exploração desenfreada nos locais de trabalho, como acontece nas grandes superfícies comerciais. Lutamos contra o privilégio de poderem fazer despedimentos coletivos, lutamos contra o privilégio de poder decidir unilateralmente da vida dos trabalhadores e das suas famílias, comprando o direito ao descanso. Lutamos contra os privilégios dos grandes grupos económicos em sugar o erário público nas privatizações das empresas estratégicas nas áreas da energia, comunicações, entre outras.
Confundir direitos com privilégios, em função do que cada um ganha, é o caminho mais curto para que lhes toque à porta a aplicação das mesmas “medidas corretivas” que aumentam a desvalorização do trabalho.
Enquanto a coisa correr assim, enquanto quem ganha 580 euros achar que quem ganha 800 são uns privilegiados, enquanto o lucro for olhado como um direito e o salário ou o horário de trabalho como um privilégio, esta sociedade iníqua está garantida por aqueles que menos beneficiam do seu ardiloso esquema de exploração e empobrecimento.
A revolução das mentalidades passa indubitavelmente pela consciencialização de classe. Não podemos ter dúvidas de que lado estamos, no meu caso e do meu coletivo, dos explorados porque sou um deles.
Por: Honorato Robalo
* Militante do PCP