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D.W. Griffith

Corta!

Com os dias maiores, as nuvens em debandada e a chuva quase memória num passado que se afasta, o apelo que a estrada nos lança, num convite às viagens sem fim à vista, aumenta. Por estes dias, e até Junho, para quem goste de Cinema, desse com C bem grande, Lisboa será o destino marcado a X, bem carregado, no mapa lá do carro.

Com o apoio do Museum of Modern Art, de Nova Iorque, a Cinemateca Portuguesa apresenta por estes dias a mais completa retrospectiva da obra de David Wark Griffith alguma vez apresentada no nosso país. Para quem conheça a importância de Griffith no cinema tal como o conhecemos hoje em dia, a irresistibilidade de tal proposta é por demais evidente. Para os outros, uma muito provável maioria, é essencial resumir tudo desde logo. Sem Griffith o cinema hoje não era nada daquilo que é. Foi com Griffith, logo desde 1908, quando fez os seus primeiros trabalhos, que se dá a caminhada do cinema rumo à sua consolidação enquanto indústria, enquanto arte e enquanto espectáculo.

A montagem, para muitos a verdadeira essência do cinema, é explorada por este realizador americano como nunca antes. Sem ele, é difícil imaginar como seria o cinema hoje. Talvez um conjunto de quadros de acção, isolados entre si. Teatro na tela. É por isso uma pena que tantos e tantos realizadores desconheçam a existência de Griffith, passados quase cem anos da sua estreia no cinema, continuando a fazer filmes que só numa leitura mais lata do seu real significado podem ser considerados como tal. O teatro será sempre melhor ao vivo, in loco, onde a respiração dos actores nos consegue afagar a pele, sem filtros de lentes e objectivas. O cinema é outra coisa. Ou deveria ser. Griffith sabia-o já há cem anos atrás. Montagem alternada, com duas acções a decorrer em paralelo, hoje tão comum, dos melhores aos piores filmes, foi por ele criada. A aproximação da câmara à acção, ao contrário da contemplação, também. Se situações existem onde a palavra genial pode ser usada aqui parece encaixar na perfeição.

Obras como «The Birth of a Nation» ou «Intolerance», as mais conhecidas, demonstram um fôlego inimaginável para filmes da época em que foram feitos, em 1915 e 1916, com 180 e 210 minutos respectivamente. Sabendo o que era fazer cinema naqueles anos, a dimensão de tais filmes transforma-se em algo de aterrador e quase irreal. Polémicas à parte, convém lembrar que Griffith cedo teve de aprender a viver mergulhado na controvérsia, por culpa da sua visão, bastante particular, da Guerra Civil Americana, em «The Birth of a Nation». Uma visão tão distinta daquela que sempre nos foi mostrada, que por momentos até duvidamos daquilo que julgávamos saber sobre a história americana. Os maus afinal são quem? Mas, se a política, durante anos, assombrou a sua obra, a sua enorme importância acabou por sobressair, sem politiquices que o pudessem impedir.

Só neste mês de Maio serão exibidas 25 curtas-metragens e 21 longas. Se ver tudo é impossível, nos intervalos dos longos dias e convidativas noites, em visita a Lisboa, há sempre algo para ver, numa paragem que será sempre uma aposta ganha. Poderá não ser para todos, mas vale o risco.

Qual monólito saído de «2001 Odisseia no Espaço», depois de Griffith tudo na Sétima Arte se transformou, num salto que jamais poderemos saber se acabaria por ser feito. Ou quando o seria. Apenas uma certeza: o cinema não voltou a ser o mesmo. Obrigado, Griffith!

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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