A pretexto de ir buscar a filha ao aeroporto de Lisboa encetei uma viagem à antiga. Tendo tempo mais do que suficiente, optei por não dar a ganhar dinheiro à concessionária da A23 e experimentei as velhinhas IP2, EN’s e até uns caminhos agrícolas…
Gastar quinze litros e uns trocos em portagens para ir a Lisboa foi coisa que nunca me passou pela cabeça. Habituado ao luxo do “cruise control”, viajar para Lisboa, a 132 km/h (para dar o desconto do radar) é muitas vezes um aborrecimento, mas também um enorme descanso. As autoestradas reduzem imensamente o risco de uma colisão ou outro acidente qualquer. Viajo por lá sempre que levo a família. Mas desta vez ia sozinho e com imenso tempo. Por isso resolvi experimentar os cheiros e sabores de locais esquecidos pelas autoestradas.
A primeira impressão que tive foi a de que, cumprindo sempre os limites de velocidade, muito raramente fiz ultrapassagens. Outra foi que, a partir do túnel da Gardunha, há um mar de viaturas que praticam o que eu vou batizar de “portiquing”. O entra e sai dos troços ora grátis (sem pórtico), ora pagos. A N18 e os troços do IP2, não canibalizados pela A23, são ferozes concorrentes desta e os governos, por pura ganância ou estupidez, estão a perder milhões por mês em todas as ex-SCUT. Parece que todos os estudos que preconizam reduções entre 15 a 35% nas portagens destas vias projetam sempre ganhos relativamente à situação atual com um aumento significativo do tráfego. Inteligentemente este governo, se o deixarem, irá proceder, para já, a uma redução de 15%.
Saí em Castelo Branco Norte. Daí, sempre pelo IP2, até à saída do Fratel, foi de borla. A 90 à hora passei devagar, após a barragem, por uma pachorrenta Renault com dois hippies, os quais foram meus companheiros de viagem, pelo retrovisor, até Ponte de Sor. O Alentejo está bonito nesta altura. A fome de água, que deu em fartura, transformou a paisagem e dá vontade de abrir o vidro para cheirar o campo. O computador de bordo indica 4.9L/100. A coisa promete poupança dupla. Após Sor, as longas retas que me levam a Montargil. Há muitos anos que não via esta albufeira a deitar pela boca. Até assusta ver a água a beijar as bermas da N2. Atalhei para o Couço por entre campos verdejantes. Este caminho agrícola, agora bem asfaltado, permite uma poupança de 12 km. São sete e meia, o que me vai salvar da loucura habitual da N251 até Coruche. Está quase deserta. Os arrozais do Sorraia vieram substituir os milharais graças à fartura que tem caído. O sol começa a baixar no horizonte e os Radiohead, que já me acompanham há alguns kms, ficam mesmo a matar como banda sonora. É a paz e o arrepio. Temos um país lindo, livre e pacificado. Viro para Coruche, para mais um atalho pela N114-3 até Salvaterra. Passo por um trator agrícola que vem da labuta e cumprimento o condutor. Sinto-me Zen. Mas, então, toca o telefone. “- Pai, já chegámos”. O quê? Mas ainda estou a 50 km! – pensei. “- Vão ter que esperar, vou demorar um bocadinho”. Acabou-se o modo Zen. Não gosto de fazer esperar. Acelero, sem exagerar. Entronco na N118 e viro, poucos km depois, na ponte de Benavente, para o segundo atalho do dia através dos intermináveis arrozais que me levarão ao cruzamento da antiga estalagem do Gado Bravo. Ali percebe-se porque é o Ribatejo que nos alimenta. É tudo muito mecanizado – extensivo e intensivo. Uma agricultura assim é de certeza, rentável. Passo a Marechal Carmona e sou “forçado” a entrar na A1. Aguardam-me. Dali ao aeroporto foi um fósforo. Cheguei sem cansaço algum.
No cômputo geral a economia de portagens paga-se com tempo, apesar de se poupar no combustível. Quatro horas e meia, em vez das habituais duas e meia, mas 5,3l/100 em vez dos habituais 7,5-8. Como diz o povo: “Nem sempre, nem nunca”, mas repetirei esta viagem sempre que me apetecer. Claro está que, “na volta do correio”, viemos por autoestrada. Fazer Guarda-Lisboa com pouco mais de 15 litros? Não é mau.
Por: José Carlos Lopes