As questões relacionadas com o final da vida têm levantado acesos debates e várias polémicas – algumas delas, incompreensivelmente, por falta de preparação dos intervenientes.
Recentemente, o Movimento “Direito a Morrer com Dignidade” lançou uma petição pública para a despenalização da morte assistida. Os conceitos sobre o período final da nossa existência e a intervenção médica que lhe é dada têm-se modificado muito nas últimas décadas. Por força da evolução da ciência e da medicina, mas também devido a evolução cultural das sociedades.
Independentemente das posições assumidas sobre a morte assistida, sobre a eutanásia ou o suicídio assistido, a petição teve o mérito de desmistificar o tema, permitir esclarecer conceitos e evidenciar ideias preconcebidas.
As sociedades modernas, desde meados do século XX, têm demonstrado uma nova relação com a morte. A morte sempre foi, naturalmente, uma constante na vida dos vivos. Ao longo da história, a relação entre as duas tem sido íntima por força de calamidades (guerras, doenças, epidemias, etc…) e de costumes culturais, espirituais e ritualistas.
Sempre existiu uma profunda preparação para a morte. Tanto do doente, que se sabia morrendo, como dos próprios familiares. A morte continuava depois do fim da existência através de rituais que envolviam toda a comunidade. Recordo-me ter sido envolvido, em criança, em velórios e longos funerais, até mesmo de pessoas distantes.
Hoje, a nossa relação com a morte mudou. A sua inevitabilidade é escondida, recatada nos hospitais, em unidades de cuidados continuados ou paliativos, em lares. O luto é resguardado dos vivos e os rituais fúnebres encurtados e pouco participados. Ao contrário do que acontecia até há poucos anos, as pessoas deixaram de morrer nas suas casas, juntos dos seus próximos. A morte passou a acontecer em instituições de saúde. Falta-nos, hoje, uma cultura e uma pedagogia da morte. Ela é incontornável e, por isso, tem de ser enfrentada com a preparação mais adequada que as sociedades modernas se têm escusado a pensar.
Falta-nos falar e refletir abertamente sobre a morte, tão somente por fazer parte da vida e para evitar que continue a ser um tabu, ausente de lugares educativos e de discussão pública. Sobre o tema fraturante da morte assistida, é essencial esclarecer conceitos. Atualmente, o Código Penal e o Código Deontológico da Ordem dos Médicos não permite nem a Eutanásia (interrupção da vida com ajuda médica) nem a Distanásia (encarniçamento terapêutico ou prolongar a vida além da morte natural sem que isso traga bem-estar ao doente). Ora, muitos confundem a Ortotanásia (permitir a morte natural quando a medicina não dá resposta para o bem-estar do doente) com Eutanásia. É por isso essencial todos perceberem que permitir deixar morrer um doente, quando os meios técnicos disponíveis não são uma mais-valia, não é Eutanásia e é permitido à luz da lei.
Este é um debate que está longe de ser consensual na sociedade portuguesa, e por isso, um assunto que continua na ordem do dia. Só espero que esta discussão pública seja efetivamente esclarecedora e expurgada de paralogismos. Que ajude no esclarecimento de terminologias e conceitos, de forma a que as pessoas se mantenham esclarecidas e reforcem a sua autodeterminação e autonomia. Apenas desta forma se conseguirá reiterar os valores de liberdade e dignidade individual, que só são possíveis com base em decisões informadas, conscientes e avaliadas.
Por: Carlos Cortes
* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos