Este artigo sai na última edição publicada antes do 30º aniversário do 25 de Abril de 1974, data a celebrar daqui a três dias. Sobre a minha experiência pessoal do golpe militar pronuncio-me noutra página especialmente preparada para o efeito, onde espero ver o meu texto acompanhado por outros escritos por pessoas que percebam realmente alguma coisa sobre o assunto. Claro que se o jornal saísse amanhã para as bancas, sempre podia aqui escrever acerca dos 540 anos do nascimento de Shakespeare. Talvez possa parecer ridículo ao leitor mais atento a comemoração de um aniversário de alguém que nem se tem a certeza de quem tenha sido, mas que diabo, a imprensa portuguesa também assinalou os 90 anos de Álvaro Cunhal e as certezas sobre a sua existência não são maiores. Já agora, não posso deixar de assinalar o 49º aniversário da conclusão da Conferência Afro-Asiática de Bandung no próximo sábado. Esperam-se festejos à altura da ocasião em toda a África e Ásia e também pela Europa, que é um continente muito solidário. Felizmente, este artigo sai no dia em que se comemoram 59 anos depois de Hitler admitir a derrota e suicidar-se no seu bunker, o que me permite escrever sobre qualquer outra coisa que não sejam estas efemérides patetas. Infelizmente, não há espaço para isso.
Por razões que não me apetece nada explicar ao leitor, porque cada um compra o que quer, lê o que pode e tem sexo com quem deixa, li uma entrevista dada pela D. Lili, de apelido Caneças (embora suspeite que a cedilha tenha sido aquisição tardia) à revista VIP. Por isso esta semana não se escreve a rubrica “Eu vi um ornitorrinco” mas sim
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EU LI, LI UM ORNITORRINCO
D. Lili começa por explicar ao jornalista que foi “completamente favorável ao 25 de Abril”, pois aquilo que mais preza é “a liberdade” e que se não fosse o 25 de Abril nunca se tinha divorciado. O COPCON, as nacionalizações e o divórcio de D. Lili são ainda hoje contemporizados à luz do que se convencionou chamar “excessos revolucionários”.
Posteriormente, D. Lili conta como perdeu tudo e teve de trabalhar “no mercado financeiro”, fechada num escritório “lindíssimo, com cristais da Boémia”. Percebe-se a amargura da senhora. Divorciada, preferiria, com certeza, um conjunto de louça das caldas.
Depois do divórcio, a estrela do nosso jet-set namorou com um alcoólico e com um hippie. Ou seja, um homem com problemas com o álcool e outro que tinha problemas com a água.
Um dia foi, com a filha, viver para um apartamento, acrescentando que se fosse para “uma barraca não tinha feito grande confusão e seria a mesma pessoa” que é hoje. É provável, só que em vez de aparecer no “Caras Notícias” da SIC, seria figura de proa em notícias do “Jornal Nacional” da TVI.
Para ilustrar o seu pós-materialismo, D. Lili afirma que não se deve ter “dinheiro pelo dinheiro” e explica que “há muitas pessoas que têm iates enormes, mas quem usufrui do barco são as tripulações”. O PCP partilha da mesma indignação. Se os trabalhadores gozam os prazeres da navegação, há todo um sentimento de classe que se perde e um desejo revolucionário que se esvai.
D. Lili termina a entrevista com um sentimento de humildade profundo. Ela não é assim tão importante. “Importantes são os Prémios Nobel”. Talvez por isso o sonho de D. Lili fosse casar com Marlon Brando e não com Subramanyan Chandrasekhar, prémio Nobel da Física em 1983. Ela não quereria ser casada com uma pessoa importante. Basta-lhe ser uma jet-set-rinco, uma espécie particular de ornitorrincos que invade Portugal.
Por: Nuno Amaral Jerónimo