Para incentivar 109 milhões de eleitores a votar, evitando números obscenos na taxa de abstenção, o governo da Rússia ofereceu bilhetes de cinema e vales de desconto no cabeleireiro. O estratagema parece ter resultado, pois a participação terá atingido os 60%.
Com essa “participação” Putin foi eleito com cerca de 70% dos votos expressos, deixando as sobras para os opositores inofensivos que não foram raptados nem perseguidos durante o período que antecedeu as eleições.
Porque será que quando vejo aquele tipo na têvê me lembro sempre das campanhas do almirante Thomaz?
Mas a ideia dos bilhetes e dos vales para estimular o eleitorado era capaz de dar resultado por cá: o Presidente (o nosso) pelos vistos anda “apavorado” com as perspectivas de abstenção nas eleições europeias; a Comissão Nacional de Eleições está para estourar um milhão de contos (sim, contos) em campanhas de sensibilização.
Olha, podiam oferecer senhas de gasolina, bilhetes de futebol, livre-trânsitos nas clínicas de esticar rugas, game-boys para oferecer aos miúdos, eu sei lá… talões de desconto em hipermercados, consultas grátis no Professor Karamba, perdão de multas de trânsito, enfim, soluções em conta, de garantida adesão popular, que fariam do nosso país um exemplo de participação e vivência democrática.
Porque do que me tem sido dado a ver, o conceito de cidadania está cada vez mais distante da ideia de uma sociedade de homens livres governada por homens livres. Com este exemplo da Rússia, fico com a ideia que agora a cidadania não se conquista: vende-se por um prato de lentilhas.
Não queria escrever sobre Espanha pois imagino que o jornal esteja repleto de referências ao assunto. Mas, mesmo sem me terem pedido a opinião, aqui vai ela. Para alguns (como eu) comentadores de sofá, os espanhóis, que na Sexta, logo a seguir às bombas, eram um exemplo de cidadania, no Domingo, porque deram a vitória eleitoral à esquerda passaram a ser uns bananas. É fácil falar a partir do sofá. É facílimo indignarmo-nos com as imagens de corpos esventrados que, diga-se, são em tudo semelhantes às imagens que vemos todos os dias a partir de Israel, Iraque, Colômbia ou Indonésia. Mas estas, por serem mesmo aqui ao lado, têm outro impacto. Não faço a mínima ideia se foi o medo, se foi a sensação de estarem a ser aldrabados com a tese “foi a ETA”, se foi uma viragem a quente no sentido de voto, se o resultado seria outro caso as eleições fossem daqui a 15 dias, se, se, se…. mas duma coisa tenho quase a certeza: se fosse cá, estava tudo aos berros a exigir o fecho das fronteiras, a expulsão dos imigrantes, estado de sítio e lei marcial. Os espanhóis, se calhar borrados de medo, foram votar. Isto, sim, é cidadania.
Por: Jorge Bacelar