Sempre desconfiei da sanha anti-regionalização que animou as hostes da direita aquando do referendo sobre a matéria. A minha desconfiança nascia da incompreensão que me causava o argumento mais repetido – a regionalização quebrava a identidade nacional e dividia o país em regiões pobres e ricas e aí teríamos a morte do estado-nação tão caro ao motor ideológico do PSD, o PP.
Não compartilho a opinião, recentemente expressa pelo Professor Freitas do Amaral, de que a direita portuguesa é estúpida e, por isso, imaginei que por trás do anti-regionalismo estridente e militante estaria, subtil e inteligentemente camuflada, uma outra razão que as estratégias eleitorais tornavam inconfessável.
Com o início do governo Durão/Portas pensei ter desvendado o mistério que ferroava a minha curiosidade. Estava explicado, a regionalização era indesejável porque se queria optar por uma estratégia de descentralização que, para a inteligentzia direitista, conservaria intacta a indivisibilidade sagrada da pátria.
Lentamente, observando deste canto do gélido interior as opções governamentais, concebidas e consolidadas nos almofadados gabinetes alfacinhas, a razão tornou-se subitamente clara – a direita queria a colonização. Não a regionalização anti-patriótica e divisionista do guterrismo. À direita incomodava que pudesse haver regiões no interior que escolhessem os seus próprios dirigentes, que gerissem um orçamento próprio, que reclamassem a existência de todos os equipamentos e serviços que invejavam no litoral. A direita sonhava ainda com as grandezas do império e com as mordomias da colonização. Não queria regiões, queria colónias.
As más experiências regionalistas insulares, que transformaram aquilo que poderiam ser duas confortáveis colónias em duas maçadoras autonomias, levou-a a vislumbrar como demoníacas quaisquer tentativas regionalizantes.
A opção parece estar tomada, vamos então colonizar. Mas quem? Surgiu em uníssono a pergunta nos gabinetes governamentais. A solução brotou óbvia: à falta de espaços, por aí disponíveis, para colonizar, coloniza-se o próprio país. Traça-se uma linha de Norte a Sul, do lado litoral está o país, a nação, em suma, a pátria. No lado interior, vastos e pobres espaços onde vagueiam uns dispersos e dóceis habitantes, cria-se a colónia.
No país constroem-se equipamentos para serviço das populações, sediam-se serviços públicos, promove-se a indústria, o turismo, os serviços; na colónia faz-se apenas o estritamente indispensável para que os parcos habitantes permaneçam no seu habitat natural (é sempre bom vê-los ao fim de semana em passeios TT ocupados nas suas típicas actividades de promover feiras de enchidos e de artesanato) e não inundem o país em vagas migratórias.
Estarei a ser excessiva? Mas de que modo está o interior a ser tratado pelo governo PSD/PP?
Vejamos o distrito da Guarda: fecham serviços públicos, reduz-se o investimento do estado na região, paralisa-se a indústria por falta de apoios, colocam-se portagens nas vias de comunicação.
O cúmulo chegou agora – não nos deixam nascer na nossa própria região.
A maternidade do Hospital Sousa Martins fechou. O governo, do país, assobia para o lado e diz que, por agora, o problema está resolvido. Ainda há maternidades na colónia do interior, vão lá nascer. Mas já anunciam, se não cumprirmos as taxas de reprodução mínimas (dois partos por dia) até estas irão fechar. E aí, teremos de ir nascer ao litoral, ao país. Será, porventura, a maneira de conservarmos a nacionalidade.
O secretário de estado Adão e Silva, transmontano, anunciou a sua demissão se as maternidades de Trás-os-Montes encerrarem. E na Guarda? Quem se demite? Quem tem a coragem de alijar o tacho em nome do interesse da sua terra? Os movimentos que antes se diziam pela criança, hoje calam-se…pelo partido. E os políticos que o PSD na Guarda elegeu? Onde está a sua voz? Também se vão calar em nome do partido?
Ficamos à espera… ainda convencidos que aqui também é Portugal.
Por: Rita Cunha Mendes