A interpretação do real como um lugar de discursos de grupo, de fação, de equipa, tem a competência da onda que alastra. Levamos uma interpretação do real e com ela empurramos a visão dos outros para a janela interpretativa que passa a ser o real total. Se não sei nada de um assunto, se para mais temo as repercussões na minha vida desse imaginário dramático, então deixo que a interpretação do real se torne o único caminho para fugir ao que nunca me aconteceu. Isto a propósito da arte: «Em Portugal não há pintores de magnitude internacional», esquece a importância do “marchand”, a força da divulgação como fator decisivo das escolhas. Quem verte em ícone o artista são reduzidos números de negociadores que compram para museus e coleções particulares e assim formam o espaço dos que são valor e dos que não podem ser por melhor que sejam. O futebol carrega os mesmos negócios e os mesmos intérpretes da qualidade. Houve dezenas de jogadores fabulosos no Mundial que a montra do “top ten” jamais aceitará. São imperativos do poder oculto que se verte em dólares e euros.
Mas a capacidade de estreitar a pirâmide é fundamental para a definição do produto e a criação de valor para os que decidem da aquisição. Com as ações, os “títulos do mercado”, há um processo semelhante a que chamamos jogo da bolsa. Quem “fabrica” títulos são os que possuem milhões de euros nessa aventura bolsista. Jogam e influenciam quer as notícias, quer os banqueiros, para ir construindo carteiras de valor. O insucesso está na perda de controlo da janela do real. O BES deixa fugir informação, a PT percebe que está em risco e o pânico instala-se novamente dominado pela janela semi aberta que nos deixa ver a realidade, mas onde alguns conseguem colocar cortinas, vidros foscos, vidros martelados. Constrói-se o cenário interpretativo de uma nova realidade. Imagine-se que alguém quer comprar o BES. Imagine-se que, o mesmo alguém, constrói uma estratégia para baixar o valor das ações do BES em bolsa. Alguém fica comprador de um banco por um valor que é metade do de há duas semanas. Mas imaginemos que a realidade é mesmo incompetência do banco e da família Espírito Santo. Então, um ministro que discursa sobre a certeza de que «não haverá nenhuma intervenção do Estado para salvar os particulares» acaba de colocar os depositantes no espaço do medo. Eu concordo com ele, não sei é se o deve dizer neste momento. Na segunda-feira podem começar as retiradas de depósitos arrastadas pelo medo gerado na interpretação abusiva da realidade.
Por: Diogo Cabrita