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Abílio Curto quis entregar-se

Ex-autarca foi surpreendido na sua residência na última sexta-feira e já está a cumprir pena de dois anos e meio de prisão

Abílio Curto iniciou na última sexta-feira o cumprimento de uma pena de prisão efectiva de dois anos e meio pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito. O ex-autarca foi surpreendido em sua casa ao princípio da tarde por um oficial de justiça e dois agentes da PSP à civil para dar início à execução da sentença decretada pelo Tribunal da Guarda em Maio de 1998. A tal ponto, que Curto deixou a sua residência sem sequer ter tempo para levar um casaco, segundo apurou “O Interior”. Só mais tarde, e já no Estabelecimento Prisional da Guarda, familiares levaram-lhe uma mala com roupa e objectos pessoais, antes do antigo “presidente das aldeias” ser transferido para a Covilhã, onde vai cumprir a pena após ter perdido todos os recursos nos tribunais superiores referentes ao processo.

Abílio Curto aguardava desde quinta-feira que o juiz do tribunal da Guarda o mandasse prender, ainda ponderou entregar-se para evitar alaridos mas terá sido aconselhado pelo seu advogado a não o fazer com o argumento de que o mandado judicial só deveria ser concretizado na segunda-feira. A PSP não esperou e executou prontamente a ordem do tribunal, levando Abílio Curto tal qual se apresentou às autoridades, tendo tido apenas tempo de se despedir da sua esposa. Eram 15h30 quando o antigo autarca abriu a porta para a prisão. Cerca de três horas depois já estava no Estabelecimento Prisional da Covilhã para cumprir a pena. É o fim da linha para um histórico do Partido Socialista e presidente da Câmara da Guarda durante quase 20 anos, eleito sucessivamente entre 1980 e 1993 – foi detido em Novembro de 1995 no âmbito do caso do Matadouro e imediatamente suspenso de funções -, após chegar ao cargo devido à desistência de Vítor Cabeço, o primeiro edil eleito no pós-25 de Abril. Abílio Curto foi condenado pelo Tribunal da Guarda pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito por ter exigido a José Gralha e Francisco Fernandes, sócios de uma empresa imobiliária, a quantia de quatro mil contos para emitir uma licença de utilização de um edifício construído na urbanização dos Castelos Velhos, na cidade. Inicialmente, os construtores não aceitaram a exigência, mas o então presidente reduziu o montante primeiro para três mil contos e depois para dois mil contos, verba que viria a receber, como ficou provado em tribunal.

Ammistiado em três anos de cadeia

O ex-autarca foi sentenciado a uma pena de cinco anos e meio de prisão após ter-lhe sido perdoado um ano de cadeia e uma pena de multa, mas beneficiou ainda do perdão de dois anos de pena previsto na Lei da Amnistia de 1995 e de mais outro ano por força da Lei de Amnistia de 1999, cujo efeito pode ser afectado por ainda não ter sido feito o cúmulo jurídico com a pena de um ano e meio a que Curto foi sentenciado no âmbito do processo do Matadouro Regional da Guarda. Mas tudo se complicará quando a sentença do caso Matadouro for definitiva. É que, para além da pena de cadeia, Abílio Curto foi condenado pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ao pagamento de 465 mil euros ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP). A decisão continua pendente de recurso para o Supremo depois da Relação de Coimbra ter confirmado em Setembro último a pena de prisão de ano e meio e a obrigação em indemnizar o IFADAP. Em perspectiva outro processo complicadíssimo para o antigo presidente da Câmara da Guarda, fiador pessoal de empréstimos bancários para a construção do matadouro, contraídos pela sociedade – a que presidia – encarregada de executar o projecto. O que implica o cumprimento das obrigações decorrentes dessa condição e, uma vez que os avales foram entretanto accionados, originará a retenção automática de um terço do valor da sua reforma para esse fim.

Ex-funcionário da Caixa Geral de Depósitos, Abílio Curto, também conhecido pelo cognome de “presidente das aldeias” liderou a Câmara da Guarda até Dezembro de 1995, quando o tribunal o suspendeu de funções, no âmbito do caso do Matadouro. A medida foi posteriormente revogada, mas tarde demais para regressar ao município. A queda acentuou-se também no PS, a cuja Comissão Política Nacional pertenceu durante mais de uma década, tendo sido ainda eleito deputado à Assembleia da República por vários mandatos e membro do Comité das Regiões da Comunidade Europeia.

PCP considera que PS foi «salpicado»

O Partido Socialista da Guarda escusou-se a comentar a prisão de Abílio Curto. «É um caso de Justiça e, como tal, não merece qualquer comentário», declarou o presidente da Federação Distrital do PS, Fernando Cabral. Já a deputada e presidente da distrital do PSD/Guarda lamentou todo o processo que levou à prisão do ex-autarca. Escusando-se a comentar o assunto enquanto política, Ana Manso disse que, enquanto cidadã, lamenta que as «questões e os factos que se passaram tenham resultado nesta situação de detenção de Abílio Curto». Para o PCP, o que esteve em causa foi o cumprimento da lei. João Abreu, responsável da Organização Regional da Guarda do PCP, afirmou que «se o tribunal considerou que os crimes de que Abílio Curto estava acusado foram provados, só tinha que se cumprir a lei», já que «ninguém deve estar acima da lei, sejam autarcas, membros do Governo ou cidadãos comuns». O dirigente comunista lamentou ainda que «o PS nunca tenha vindo a público demarcar-se neste processo que envolveu o ex-presidente da Câmara e militante daquele partido, porque se o tivesse feito teria prestado um grande serviço à Guarda, ao país e à democracia». Considera, por isso, que o Partido Socialista «envolveu-se e ficou salpicado pela lama que daí resultou». Maria do Carmo Borges, actual presidente da Câmara e vice-presidente no tempo de Abílio Curto, não quis comentar a detenção.

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