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Mentiras, mentirosos, aldrabões e demais intrujões

Agora Digo Eu

Nietzsche escreveu «Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu de mentir, mas sim porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória».

É talvez por isso que um bom mentiroso inicia a mentira com uma percentagem de verdade, dá-lhe um corpo da mais pura mentira, terminando com outra percentagem de verdade. O poeta algarvio, António Aleixo, explica: «Para a mentira ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade». O famoso livro das mentiras de Aleister Crowley, contém um único pensamento, em si mesmo, falso, sendo as suas falsificações relativamente verdadeiras. Ao filósofo grego Eubulides é atribuída a seguinte versão: «Um homem diz que está a mentir. O que ele diz é verdade ou mentira?».

Seis séculos antes de Cristo, Epiménides tornou-se o pai da mentira: «Os minoanos (seguidores da civilização Minóica, de que o filósofo descendia) são sempre mentirosos». No século XIX é-nos apresentado, pela mão de Carlo Collodi, o boneco mais mentiroso da história: Pinóquio, que quando mentia, o nariz crescia tanto que quase não conseguia entrar na casa do seu criador, o relojoeiro Gepeto, o que motivou o aparecimento de outros tantos Pinóquios: O sítio do Pica-Pau Amarelo, as aventuras de Buratino e até na história do Shrek aparece este histórico aldrabão, sem esquecer grandes realizações cinematográficas como “O Mentiroso” e “O Grande Mentiroso”, chegando-se facilmente à conclusão de que a mentira é uma das armas mais utilizadas na sociedade atual. Dizer uma coisa de manhã, à tarde outra e à noite o contrário do dito matinal é mais do que o prato do dia. A mentira surge assim como uma forma normal, é bem tolerada, alimentando pequenas/grandes/enormes questões.

O mentiroso promete mesmo sabendo que não pode cumprir, acobardando-se com medo do seu passado, maquilhando o presente, receando o que o futuro possa aportar. As personagens que utilizam a mentira são muitas. Provêm de todas as classes, religiões, empresas e mundo do trabalho, chegando-se, embora com extrema dificuldade, à classe política.

Exemplificando: O Paulo mente ao Portas, o Nuno mente ao Crato, o Miguel mente ao Macedo, a Maria Luís mente à Albuquerque, o Pedro mente ao Passos e este, por sua vez, mente a todos os “Coelhinhos”. Neste albergue do caranguejo laranja nem o grilo falante escapa. O diretor come fogo é mentiroso, o Polichinelo e o Arlequim também, o raposo, o cão medoro, os rouba-pepinos e os BES, leia-se, banqueiros enganadores sicilianos, são mesmo uns aldrabões. A fada madrinha, que até tem nome de homem, é a grande culpada, pois vai fazendo de nós príncipes com orelhas de burro e, tal como na história de José Régio, até as orelhas ficarem normais e irem ao lugar vai demorar e é mesmo uma grande chatice.

As polícias de investigação têm aparelhos e técnicas para identificar os mentirosos: o polígrafo, que funciona à base da pulsação, da pressão arterial, do movimento dos olhos, dos níveis da voz, do gesto e até da linguagem corpórea, coisas de difícil deteção nos políticos e banqueiros.

Neste triste espetáculo o melhor é chamar o enfarruscado Lúcifer para que transforme o enganador mentiroso no verdadeiro Pinóquio. Para que lhe caia definitivamente a dentuça. Para que não continue a aplicar o discurso do Alberto Pimenta, sabem aquele do grande e pequeno filho da puta, demonstrando de uma vez por todas que o rei vai nu e, finalmente, perceber-se que nesta aldrabice, que presentemente vivemos, jamais uma mentira repetida milhares e milhentas vezes se transformará em verdade. E isto há-de ser tão certo como a mistura da água e do azeite. É só mesmo dar-lhe tempo, aplicando-se aqui a sabedoria popular do “ atrás de tempo, tempo vem”.

Por: Albino Bárbara

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