A discussão sobre as comunidades urbanas e associações intermunicipais aquece. Na nossa região, então, ferve. A Cova da Beira encontra-se, diz “O Público”, à beira da dissolução. O Distrito da Guarda, por sua vez, está a saque. Almoça-se febrilmente sobre o magno assunto de saber para que lado se vai “cair”. Discutem-se à mesa dos melhores restaurantes da região as vantagens e inconvenientes dos vários cenários. Dado de barato que os distritos têm os dias contados, e de barato também que ninguém quer ficar sozinho, escolhem-se então parceiros. Cabe agora fazer uma perguntinha cínica: parceiros para quê?
É que, ouvindo e lendo as opiniões dos personagens mais activos, interrogo-me de vez em quando: alguém leu já, lida mesmo, a lei nº 11/2003, de 13 de Maio? É que convinha ler, sobretudo o seu artigo 5º, que define as atribuições das comunidades intermunicipais (de fins gerais) e das associações intermunicipais (de fins específicos). Quem ler em diagonal as subalíneas da alínea b) no número 1 desse artigo pode convencer-se de que as novas comunidades e associações vão esvaziar na prática os municípios da maioria das suas atribuições (saúde, educação, acessibilidades, equipamentos, ambiente, etc., etc.). Ou até, melhor ainda, vão buscar ao poder central poderes até aqui inacessíveis às autarquias.
O problema é que a mesma norma diz antes que as atribuições conferidas às comunidades nessas áreas o são para “Coordenação, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, das actuações entre os municípios e os serviços da administração central, nas seguintes áreas”. Isto é: podem fazer agora tudo … desde que não seja aquilo que outros façam já. Os poderes naquelas áreas, assim, são apenas residuais e sempre apenas de coordenação ou articulação. É como se as comunidades servissem só de charneira entre o poder central e as autarquias e sempre sem prejuízo das competências já cometidas a estas. É verdade que depois o Conselho Directivo da comunidade tem competência mais específicas e mais amplas até do que a própria comunidade, o que é curioso (artº 13º), mas a maioria fala apenas em “articular”, “coordenar”, “propor”, “colaborar”, “promover”, “apoiar”. Onde está o Poder, o Ius Imperium?
Pergunta-se: a comunidade urbana tem poder sobre uma autarquia que a integre? Muito duvidoso. É claro que os municípios integrantes da comunidade podem transferir para esta, para o seu conselho directivo, as suas próprias competências (artº 14º). Acontece é que não se vê ninguém discutir este ponto específico e a sua concretização. Assim como não se vê ninguém discutir a questão da constituição do património das comunidades (artº 6º) ou as suas possíveis fontes de receitas.
Parece assim que a poucas semanas do final do prazo ainda se não começaram a discutir as questões verdadeiramente duras, o que realmente interessa. Sabe-se, quase, quem quer, ou gostaria, de ficar com quem. Ninguém diz para quê, ou como.
Por: António Ferreira