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«Vai ser difícil prestar bons cuidados de saúde às populações devido à degradação dos serviços, à falta de meios e aos cortes»

Cara a Cara – Maria Augusta Grilo

P – Como se caracteriza a classe médica do distrito da Guarda?

R – A nossa classe médica tem muita gente nova, mas que não quer aparecer muito em público. Hoje [na passada segunda-feira], véspera de greve nacional dos médicos, o Conselho Distrital da Ordem está um bocadinho triste com os colegas da Guarda porque, salvo raras exceções, como os cuidados primários, onde se espera uma adesão muito grande, no Hospital da Guarda as pessoas não estão, de maneira nenhuma, a querer dar a cara nem a querer participar nesta paralisação.

P – Ou seja, os médicos da Guarda estão impávidos e serenos a ver o que se passa?

R – Penso que sim. Neste momento, a maioria não faz ideia do que está a acontecer. Se calhar, nos cuidados primários temos uma ideia muito mais alargada do que está em causa porque estão a entrar-nos nos bolsos nesta área. Por exemplo, acho que a lei 82/2014, de classificação dos hospitais, passou-lhes um bocadinho ao lado e não se aperceberam muito bem que podem fechar serviços porque isso ainda não foi revogado.

P – Mas então quais são os principais problemas dos médicos na região?

R – Têm a ver com a degradação dos serviços, a falta de meios – há cada vez mais cortes nos medicamentos, não abrem concursos “abertos” a nível nacional e as vagas não podem ser ocupadas – o que existe são concursos para quem acaba a especialidade antes do concurso. Nos centros de saúde, nas Urgências e na VMER há muita contratação via empresas intermediárias, o que é mau para os doentes, pois hoje pode estar alguém que não dá a cara por aquilo que possa acontecer às pessoas, e para as instituições. Com esta medida acaba por não haver grande solução de continuidade nos tratamentos nem no acompanhamento dos doentes. Houve mais cortes na Saúde do que a “troika” teria obrigado, há sítios onde não há papel, não há impressoras, não há “tonners”, não há medicamentos, não há soros… Por exemplo, quer-se um antibiótico e não há no hospital. Nos próximos tempos vamos ter alguma dificuldade em conseguir prestar bons cuidados de saúde às populações – e por isso é que estamos a favor e apoiamos a greve.

P – O novo bloco do Hospital Sousa Martins já está a funcionar em pleno. É uma infraestrutura que corresponde aos anseios dos médicos da unidade?

R – O que conheci foi durante a vinda do ministro da Saúde. Foi uma visita muito rápida e não tive um contacto muito aprofundado com essa nova realidade, mas a administração manifestou a intenção de promover uma visita para o Conselho Distrital da Ordem dos Médicos. Mas, tanto quanto sei, há coisas que estão bem melhores e outras que nem por isso. Para os utentes, as enfermarias mais pequeninas proporcionam-lhes melhores cuidados. O SO também melhorou, tem uma estrutura física bem mais organizada, mas não acho que a Urgência esteja melhor. Está mais bonita, mais aberta, tem instalações novas, mas não sei se será o funcionamento ideal porque os utentes continuam a estar uns em cima dos outros. Com uma desvantagem relativamente à outra Urgência: é que aí havia uma separação homens/mulheres. Neste momento está tudo junto num espaço amplo. As novas filosofias de serviços de Urgência têm a ver com esta organização física do tudo amplo e aberto, mas, em termos de privacidade, esta opção deixa muito a desejar. No entanto, há três consultórios e, portanto, as consultas de Urgência são mais privadas. Relativamente à consulta de triagem verdes e azuis, penso que não melhorou, pois continuamos com um gabinete muito pequeno e fechado.

P – Mas o novo bloco tem bons corredores…

R – Sim, muito bons e corredores a mais. Gastaram-se uns milhares largos de euros em corredores perfeitamente desnecessários, aliás, o senhor ministro teve esse desabafo quando cá esteve. Há corredores que não dão para nada e depois na Urgência temos, por exemplo, o gabinete de Ortopedia sem janelas enquanto há salas de sujos com janelas que dão para aquele relvado maravilhoso. O serviço de Imagiologia também tem muitas deficiências, tanto mais que já vai entrar em obras porque fizeram salas grandes para os equipamentos, mas as salas onde os técnicos estão a trabalhar nos comandos dos aparelhos são minúsculas e têm colunas a meio. Por isso, as macas não passam e os profissionais não têm condições para trabalhar com qualidade. Agora, em termos gerais, as pessoas têm um espaço novo…

P – Acha que o facto de termos novas instalações vai contribuir para que se consigam resolver as carências nalgumas especialidades na Guarda?

R – Temos a lei 82/2014, segundo a qual há serviços na Guarda que poderão eventualmente ser perdidos se houver a reforma hospitalar. Os serviços centrais dizem que não fecharão serviços, mas Otorrino, Cardiologia e Pneumologia estão nessa lista. É lógico que qualquer encerramento de um serviço de uma especialidade na Guarda deixa o hospital fragilizado, agora também não sou contra a criação de serviços de excelência a nível da Beira Interior.

P – Na sua opinião, o Centro Hospitalar da Beira Interior faria sentido?

R – Se calhar faz sentido numa altura de contenção de custos. Não faz sentido termos tecnologia de ponta nos três hospitais porque é caro e não se consegue rentabilizar, então deve-se privilegiar um hospital com essa tecnologia mas para dar cobertura a toda a região. Essa será uma solução interessante, mas desde que não se encerrem serviços porque há sempre uma consulta externa que precisa de alguns meios complementares de diagnóstico.

P – Com a abertura da Faculdade das Ciências da Saúde na UBI, acha que há mais jovens médicos que vão ficando na região?

R – Temos alguns nos cuidados primários e no hospital. O problema é o mapa de vagas, pois se as vagas não abrem os novos médicos não podem concorrer para cá. De resto, é preciso não esquecer que, apesar de estar fisicamente na Covilhã, a Faculdade das Ciências da Saúde envolve os hospitais e os centros de saúde de toda a região, que lhe dão apoio.

P – Quais são os seus projetos para o Conselho Distrital da Ordem dos Médicos?

R – A Ordem esteve um bocado fechada e nós temos gente nova na direção e tentamos dinamizar e abrir a sede a todos os médicos. Mas tem sido uma tarefa difícil porque as pessoas ainda estão muito habituadas a não vir. Abrimos a sede para acompanhar os jogos da seleção nacional no Mundial, tivemos a sala cheia, mas com os novos e porque os elementos mais jovens do Conselho Distrital também puxam muito pelos colegas.

P – Ou seja, os médicos da Guarda não convivem muito fora do hospital ou dos serviços de saúde.

R- Não. Convivem pontualmente, mas não têm muito o hábito de conviver como classe. Gostaríamos de abrir a sede uma a duas vezes por mês, mas não está a ser muito fácil. Já tivemos algumas reuniões científicas que correram bem, continuamos a participar no ciclo “Saúde Sem Fronteiras” do Centro de Estudos Ibéricos. São atividades que vamos querer manter e, se possível, aumentar, mas um dia de cada vez, pois não é fácil os médicos virem à casa dos médicos e não é fácil os médicos conviverem entre eles.

P – Acha que o Ministério da Saúde foi longe de mais com a “lei da rolha” – o célebre código de ética que impõe sigilo absoluto aos médicos e outros profissionais da saúde?

R – Sem dúvida nenhuma. A lei do Código de Ética já foi enviada para publicação sem qualquer contacto com a Ordem e não sabemos o que foi alterado, portanto, será uma caixinha de surpresas o que vai sair. Mas é óbvio que a Ordem não poderia estar a favor desta “lei da rolha” de maneira nenhuma, aliás é um dos motivos desta greve.

P – Na sua opinião, qual é o objetivo desta lei?

R – Se calhar calar as pessoas porque cada vez mais há alterações e cortes nos serviços de saúde e não interessa que os profissionais digam que há cortes nos medicamentos, nos detergentes, no papel, nas contratações.

Maria Augusta Grilo

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