Desenhar seis faces de um cubo num plano. Assim fazemos dois quadrados iguais, um pouco afastados e unimos-lhes as pontas. Se o olharmos longamente vamos tendo diferentes perspetivas da posição do cubo na reflexão tridimensional que nos chega ao cérebro. É a ambiguidade do ver. Nós podemos perspetivar muitos olhares, tentar observar um cubo que colocamos na mão rodando-o, mas o facto é que não vemos as faces todas. No papel é mais fascinante ainda, pois o cubo muda de posição e de perspetiva sem haver movimentação física. A ambiguidade do olhar é também a ambiguidade como observamos a vida. O Necker cube é um exercício da psicologia que serve para tentarmos entender a dificuldade com que nos posicionamos com os problemas da vida. Isto vem a propósito da coerência e da ambiguidade com que devemos visualizar um tempo eleitoral. Em quem votamos? Porque votamos? Desenhamos um cubo onde projetamos as raivas, as deceções, as expectativas, a capacidade crítica e desse modo tentamos desenhar o ato cívico que será votar. Pensamos olhando um papel onde colocámos perspetivas sempre ambíguas e, por isso, inseguras. O voto é sempre um momento incerto e a mentira a que nos habituaram torna a decisão mais complexa ainda. Para mim, as faces importantes são: a fé, que vai do nosso facciosismo inerente à humanidade, a coerência dos discursos, a seriedade dos discursos e a imagem das pessoas em nós. Depois há a face da revolta: quero mudar ou fazer crer que sem mudança estou revolto. Assim, nesta enorme ambiguidade, fui votar com o meu Necker cube no pensamento.
Por: Diogo Cabrita