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A Grande Poda

Há dias, quando subia a Avenida Cidade de Waterbury, olhei e, não querendo acreditar, parei o carro e fui fotografar a carnificina arbórea que ali estava a acontecer. Três árvores reduzidas a pouco mais que três tocos. Incomodados com a chegada deste curioso, de telemóvel em punho, os funcionários camarários pouco qualificados para o serviço, arvorados a podadores, não conseguiram arranjar-me qualquer justificação, tendo ficado a ouvir o chorrilho de impropérios que eu debitava entredentes. Disse-lhes, entretanto, que não eram eles os responsáveis, mas sim quem lhes terá ordenado aquela sangria.

Como considero que a cidadania é para ser exercida publiquei, de imediato, nas redes sociais as fotografias e, chegado a casa, telefonei para a Câmara Municipal pedindo para falar com o responsável do pelouro do ambiente, ou alguém em sua representação. Fui, de imediato, atendido por uma simpática engenheira ou arquiteta – o stress da altura não me permite recordar nem o nome, nem a profissão. Pacientemente, ouviu a minha argumentação e respondeu-me com a frase: «Sabe, não podemos agradar a gregos e troianos». Argumentou que as pessoas se queixavam de que as árvores lhes sujavam os carros, que lhes faziam sombra às varandas, que os pássaros não as deixavam dormir, que os pólenes lhes provocavam alergias, que os ramos caíam, que, que, que… que partilhava da minha opinião, mas que os seus superiores se tinham decidido por fazer isto a cada dez anos; que governar implicava tomar decisões, por mais impopulares que estas fossem para determinados munícipes.

Entretanto, chegou-me às mãos uma resposta a uma reclamação acerca deste tema, de uma munícipe. Nesta, referem-se ao atentado como «uma poda de reformulação da copa»! Hilariante. Referem-se ainda a um fenómeno «estranho» que acontece com as nossas árvores, designado “fototropismo”! Hilariante a bandeiras despregadas. Aquilo que ali está feito deveria chamar-se “poda de extinção da árvore”. Quanto ao fototropismo, ai das plantas que o não exercessem. Fototropismo, o positivo, o das partes aéreas da planta, não significa mais do que o crescimento em direção à luz, necessária à fotossíntese e ao seu crescimento, pelo que, com as árvores da nossa cidade, não se passa nada de estranho. Parece-me mais que algumas pessoas deveriam viver bem longe da sua companhia, já que as árvores as incomodam tanto. Mas acima de tudo, não tenho qualquer dúvida que é bem mais fácil pedir a alguém que deixe um toco a toque de motosserra do que pedir a profissionais para se empoleirarem durante umas horas, em cada árvore, e fazerem uma poda menos agressiva, essa sim, de reformulação da copa. O que está a ser feito é um atentado e reduzirá o tempo de vida das desgraçadas e, daqui a uns anos, quando, depois de assassinadas, as cortarem pela base, teremos protestos dos que agora as querem ver reduzidas, pela falta de sombra que as extintas deixaram de lhes proporcionar…

Deixo-vos, para complementar a minha opinião, duas opiniões avalizadas que, sobre este assunto, encontrei no blogue “Dias com árvores”, de Paulo V. Araújo et al.

A primeira é do Dr. Francisco Coimbra, vice-presidente, em 2006, da Sociedade de Arboricultura: «As árvores que dignificam as nossas praças e avenidas e embelezam os nossos jardins e parques são um elemento essencial de qualidade de vida, autênticos oásis no “deserto” que são tantos dos nossos espaços urbanos atuais. E, no entanto, é por demais evidente a ainda quase absoluta ausência de sensibilidade para o papel da Árvore em Meio Urbano. (…)

De facto, é inacreditável como certos preconceitos sobre a poda de árvores ornamentais estão arreigados nos responsáveis pela sua gestão e manutenção. É frequente ouvirmos dizer, como justificação, que as “podas” radicais, ou “rolagens”, rejuvenescem e fortalecem as árvores, ou que são a única forma económica de controlar a sua altura e perigosidade… quando, na verdade, devia dizer-se de uma poda o mesmo que de um árbitro: – tanto melhor quanto menos se der por ela! (…)

1. A poda drástica rejuvenesce a árvore?- NÃO! (…) O facto de, após uma operação traumática, as árvores apresentarem uma rebentação intensa – como tentativa “desesperada” de repor a copa inicial – não significa rejuvenescimento, mas sim um “canto-de-cisne”, à custa da delapidação das suas reservas energéticas. (…)

2. Fortalece-a? – NÃO, a poda radical é um ato traumatizante e debilitante, uma porta aberta às enfermidades. (…)

3. Torna-a menos perigosa? – NÃO, estas “podas” induzem a formação, nos bordos das zonas de corte, de rebentos de grande fragilidade mecânica, pois têm uma inserção anormal e superficial no tronco. (…)

4. É a única forma de a controlar em altura? – NÃO, a quebra da hierarquia – que estava estabelecida entre os ramos naturalmente formados – permite o desenvolvimento de novos ramos de forte crescimento vertical, mas agora de uma forma desorganizada e muito mais densa! (…)

5. É mais barata? – NÃO, se a gestão do património arbóreo for pensada a médio e longo prazo! (…)».

A segunda, mais do que avalizada, é a do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, vencedor do Prémio Sir Geoffrey Jellicoe 2013 – o “Nobel” da arquitetura paisagista. Escreveu n’ “A Árvore em Portugal” (Assírio & Alvim, 1999. 2ª ed.) p. 161 o seguinte: «Qualquer supressão de que resulta um aspeto definitivamente mutilado da árvore deve considerar-se inadmissível visto comprometer definitivamente a finalidade estética da planta ornamental. É preferível nesse caso a supressão pura e simples do indivíduo.

Normalmente os cortes devem fazer-se de modo a não se notarem. O maior elogio que se pode fazer a um podador de árvores ornamentais é que não se perceba que a árvore foi podada. A forma da árvore é perfeita e portanto não é necessário corrigi-la no sentido estético nem fisiológico. (…)

Se não há espaço para a árvore, é preferível plantar só o arbusto, ou mesmo só a flor e não contar depois com a tesoura para manter com proporções de criança o gigante que se escolheu impensadamente».

Entretanto, o atentado continuará nesta cidade, do quartel da GNR, avenidas abaixo até S. Miguel onde, no largo da Igreja, se repetiu a desgraça. De onde achará esta gente que vem o ar puro da Guarda? Porque não podam também as sequoias centenárias do Parque da Saúde ou as coníferas da Avenida Cidade de Salamanca? Já que estão com a mão na massa arrasem tudo, seus assassinos de árvores!

Por: José Carlos Lopes

Comentários dos nossos leitores
Pedro Narciso enf.pedronarciso@gmail.com
Comentário:
A “sangria” continua… O vandalismo ao serviço do Estado.
 
Rui Sousa ruimssousapub@gmail.com
Comentário:
Também recebi o referido oficio do “Fototropismo”. Não sei se ria, se chore… Pode ser que tenham percebido o belo trabalho que estão a fazer e parem por aqui.
 

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