P- Após a primeira reunião do executivo da Covilhã, afirmou que o município estava preso por fios de lã podre. Já está melhor?
R- Estamos a tentar melhorar, mas confesso que existirão mais alguns arames. Ainda é cedo – e seria precipitado da minha parte nesta altura – dizer que a situação está estabilizada, até porque está em curso uma auditoria. Se há algo que quero falar aos meus munícipes é a verdade, é ser leal e transparente, não lhes quero vender ilusões e foi nesse sentido que, ao usar essa metáfora, quis significar que me chocou – e ainda continuo chocado porque as surpresas são diárias e são mais que muitas – termos uma rede viária perfeitamente degradada, parques infantis do concelho impróprios para serem utilizados com segurança pelas nossas crianças, o nosso parque escolar profundamente degradado e o parque habitacional sem intervenção há mais de cinco anos. Neste particular, choca-me o facto das rendas que haviam de ser recebidas nos 25 anos subsequentes à realização do contrato terem sido antecipadas, ou seja, os meus antecessores receberam essa quantia que gastaram e despenderam noutras coisas e a verdade é que temos que pagar ao banco a renda e temos dificuldades em cobrar as rendas. Por outro lado, não temos um departamento municipal de obras funcional que possa intervir rapidamente, que tenha máquinas adequadas – temos o caso exemplar de uma retroescavadora que só pode ser utilizada se for transportada para o local e depois novamente transportada para o parque de máquinas. Isto é inaceitável, tal como um camião que carece de uma reparação equivalente ao custo de aquisição de um veículo novo. Não temos carpinteiros, não temos torneiros, não temos soldadores, não temos trabalhadores operacionais especializados em áreas tão importantes quanto essas e outras.
P- Quando serão conhecidos os resultados da auditoria?
R- Penso que em breve teremos novidades, mas quero sublinhar que esta auditoria não visa perseguir ninguém, nem punir ou culpabilizar alguém, destina-se apenas a dar-nos uma radiografia do município do ponto de vista financeiro. Ou seja, sabermos qual é o nosso ponto de partida para daqui a quatro anos sabermos qual é o ponto de chegada.
P- Mas tem-se queixado das dificuldades e da disponibilidade de tesouraria. Passados 150 dias de gestão ainda há surpresas? A “caixa” continua a ser um problema?
R- Continua. Confesso que tenho duas preocupações diárias: uma, saber quanto há na tesouraria, em dinheiro disponível, porque temos dinheiro no banco e no cofre mas não pode ser utilizado por causa da lei dos compromissos. Isso obriga-nos a ter que encaminhar o dinheiro existente para esses mesmos compromissos que são certos, são permanentes, e a folga normalmente é muito pequena e, muitas vezes, negativa. Recentemente, o município foi notificado pelo IFAP para pagar 714 mil euros no prazo de 30 dias que o PRODER reclama de antecipação de fundos comunitários que foram recebidos para eletrificação de caminhos rurais e cujos projetos não foram feitos – apenas dois dos 12 candidatados foram realizados. Há relativamente pouco tempo também os supermercados E.Leclerc reclamaram 700 mil euros porque adiantaram essa verba à Câmara para realizar acessibilidades à superfície que queriam construir e que não foram feitas. Receio que, mais dia menos dia, receba um acórdão do Supremo para pagar 1,7 milhões de euros relativos a capital e juros da expropriação no parque de São Miguel, no Tortosendo. Outra empresa que fez o arranjo exterior de uma importante unidade hoteleira reclama 600 mil euros, mas consegui um acordo por metade do preço. Temos ainda uma situação muito complicada com a Parque C por causa do silo auto do Pelourinho. A empresa alega o incumprimento do anterior executivo relativamente à não disponibilização do estacionamento à superfície, que sustentam ter sido uma prática reiterada ao longo dos anos e, portanto, feito o respetivo cômputo, vem reclamar, com juros, cerca 13 milhões de euros. O caso está no Tribunal Arbitral e esperamos encontrar uma solução alternativa para este litígio que termina no final de março. Caso contrário, será produzida prova em maio e a decisão será proferida ainda antes de agosto.
P- Para o dia-a-dia da Câmara, quais são as consequências de estar confrontado com estas situações que relatou, por um lado, mas por outro também de ter entrado num saneamento financeiro?
R- Eu não me queixo das dificuldades. Se tivesse uma folga financeira não estaria aqui a lamentar-me, mas enfim tenho que me lamentar porque a realidade é mesmo esta.
P- Quais são as suas opções, os seus planos, quando tem essa situação de não estar apenas com muitos encargos financeiros, mas também com situações que possam complicar ainda mais a tesouraria?
R- É um sufoco, é uma permanente luta diária puxar pela imaginação para resolver, com muita criatividade, muitas situações sem ultrapassar os limites da lei. Por outro lado, estamos em saneamento financeiro desde 1 de janeiro porque, à data, a Câmara já tinha ultrapassado em cerca do dobro o limite da capacidade de endividamento. Isto significa que o município não pode contrair empréstimos, não pode recorrer ao crédito e está muito limitado no acesso aos fundos comunitários. No entanto, é possível melhorar as contas, ser mais racional na despesa, pedir compreensão aos meus concidadãos dizendo-lhes que o importante neste momento é sanear financeiramente a Câmara. Se o conseguirmos nestes quatro anos, no próximo mandato podemos realizar obra, mas entretanto também não quero passar estes quatro anos a fazer só saneamento financeiro, pelo que vou aproveitar todas as folgas.
P- Quais são então as principais prioridades deste executivo?
R- Vamos aproveitar todos os picos, fluxos de financiamento, transferências do Orçamento de Estado e outras receitas para realizar a obra mais urgente. As acessibilidades, lamentavelmente temos por exemplo a estrada municipal 512, entre o Ourondo e as Minas da Panasqueira, que é perigosíssima, só tem a camada de alcatrão frio e não tem rails de proteção. Ainda na semana passada quase houve ali uma tragédia, já lá faleceram pessoas, essa é a nossa prioridade. Queremos também recuperar a habitação social nos casos mais gravosos, iniciar as obras na cobertura do Teatro Municipal. Vamos melhorar os espaços de participação e convívio dos nossos idosos, apostar na regeneração e repovoamento do centro da cidade, que está abandonado e para o qual temos ideias muito concretas, como trazer o Centro de Idades, recriar o antigo Montalto, um ex-libris da Covilhã, abrir o “welcome center” do turismo ou as conservatórias para dar vida, povoar o centro e incrementar o comércio tradicional.
P- Afirmou que a instalação do Data Center era um «contrato leonino» estabelecido pelo anterior executivo com a PT. Mantém essa ideia?
R- Sim, disse e mantenho. Reconhecendo a grande importância do projeto, que é de interesse nacional e até transnacional, queremos acarinhá-lo, que potencie o surgimento de outras empresas e que seja um polo de atração para a Covilhã como cidade do conhecimento e das novas tecnologias. Mas, de facto, as contrapartidas concedidas à PT foram excessivas, nomeadamente a isenção de impostos durante 40 anos. Sou apologista que se devem conceder facilidades a todas as empresas, mas a verdade é que há limites que não devem, não podem, ser ultrapassados. Até porque houve um efeito colateral que foi o desmantelamento do aeródromo da Covilhã, que perdeu para Castelo Branco as aeronaves de combate a incêndios e também as aulas práticas do curso de aeronáutica da UBI. Na minha opinião, esta infraestrutura deveria ter sido construída noutro local.
P- Quase parecia que lamentava que o Data Center tivesse vindo para a Covilhã…
R- Não, veio em boa hora, mas era escusado termos desmantelado o aeródromo e concedido excessivas regalias e facilidades por demasiado tempo à PT.
P- Como estão as relações com a PT?
R- Estão boas. Há por aí uns comentários feitos atrás dos arbustos por gente que convive mal com a democracia e padece da chamada síndrome pós traumática da perda de poder, que põem a destilaria de ódio a funcionar e tentam intoxicar a opinião pública dizendo que somos contra os investimentos na Covilhã e que queremos empurrar as empresas para fora do concelho quando é exatamente o contrário. O que queremos e desejamos ardentemente é que se fixem empresas na Covilhã.
P- Vai tentar rever algum acordo com a PT, nomeadamente a questão da isenção fiscal por 40 anos?
R- Não quero entrar em pormenores, pois são questões que devem ser tratadas com muita cautela e diplomacia, mas estamos a trabalhar no sentido de atenuar esses efeitos menos bons do contrato.
P- Além de haver esta sensação de um ambiente tenso com a PT, também houve a saída da PC Medic para o Fundão. Não estava a contar perder mais de 100 postos de trabalho.
R- Não, antes de mais não existe qualquer tensão relativamente à PT. O que queremos é que surjam mais empresas, se criem postos de trabalho e que a própria PT avance para o segundo bloco. Relativamente à PC Medic, o que posso dizer é que foi solicitado um espaço mais amplo do que aquele que tinham na Covilhã. Dentro das limitações existentes, pusemos à sua disposição vários espaços, mas a certa altura apercebi-me que havia um compromisso já assumido com situações porventura mais vantajosas. Aliás, disseram-me que esta questão tinha sido colocada ao anterior executivo já no final do mandato. A PC Medic rumou a outro concelho, ainda bem que foi para um concelho vizinho, porque 90 por cento dos trabalhadores são residentes no concelho da Covilhã.
P- Fala-se que a Teleperformance e a Roff também podem deixar o concelho?
R- Não tenho informação nesse sentido, tenho uma conversa marcada para os próximos dias com responsáveis dessas importantes empresas e o que se perspetiva é que continuem na Covilhã. Por outro lado, devo sublinhar que tenho em carteira outras empresas que querem instalar-se aqui, nomeadamente duas multinacionais, cujo número de postos de trabalho não posso ainda quantificar porque são empreendimentos que podem avançar por fases e, portanto, criar falsas expetativas é coisa que não quero. São empresas de serviços e estamos a gerir estes dossiers com as devidas pinças porque a concorrência de outros municípios é muita.
P- Ainda sobre o Data Center, foi criada uma grande expetativa com a sua instalação. Acha que o projeto está a corresponder?
R- Reconheço que ainda está numa fase embrionária, mas os administradores da PT têm boas expetativas com a expansão do negócio. Há relativamente pouco tempo, um deles falou-me na possibilidade de equacionarem já a construção do segundo bloco e são boas notícias. Claro que gostava que já tivessem sido criados mais postos de trabalho, mas temos que ser pacientes e aguardar com prudência.
P-Em relação à Águas da Covilhã, quais são os próximos passos que a Câmara irá dar?
R- É outro dossier sensível e complicado que temos em mãos. A realidade incontornável é que os covilhanenses têm uma das mais pesadas faturas de água do país, mas o chocante deste negócio é que a empresa nossa parceira, sendo detentora de 49 por cento e a Câmara do resto, na prática, na maior parte das situações estava numa situação de paridade e até mesmo numa situação de supremacia nalgumas decisões. Ora isto não é admissível, aliás os jornais noticiaram recentemente um acórdão do Tribunal de Contas que relatava realidades muito semelhantes à que se vive nas Águas da Covilhã, que é uma espécie de concessão encapotada porque não se concedeu a exploração do serviço mas vendeu-se 49 por cento do capital social. Atualmente, estamos em negociações com a AGS Hidurbe com a qual temos diferendo preocupante porque em cinco anos esta parceria rondou num passivo global de 22 milhões de euros sendo certo que na proporção a Câmara da Covilhã tem um passivo nas Águas da Covilhã de 11,3 milhões de euros. Mas o nosso objetivo é estabilizar a situação, normalizar a nossa relação negociável e baixar o preço da água.
P- A construção da Barragem das Cortes perdeu o financiamento de 12,5 milhões de euros da UE. Como vai fazer?
R- Não dou o caso como perdido e só considerarei o financiamento perdido se o Governo não intervier junto das instâncias comunitárias e alargar o prazo de elegibilidade deste projeto, 31 de dezembro de 2015. O POVT alega que foram ultrapassados ao longo do tempo todos prazos, designadamente a declaração de impacto ambiental tinha que estar aprovada em 31 de julho, o visto do Tribunal de Contas ao contrato de empreitada até 31 de agosto e de consignação a 1 de outubro. Por outro lado, há um obstáculo permanente que é o do relatório de conformidade ambiental, sendo que a Agência Portuguesa do Ambiente recusou-se a dar parecer favorável. A última exigência é que efetuemos o estudo de acompanhamento do ciclo mínimo de vida – um ano – das espécies existentes no local onde a obra ia ser construída. De resto, também os numerosos processos judiciais terão sido um dos maiores entraves neste processo, o último dos quais é uma providência cautelar que nos impedia de tomar posse administrativa do terreno. Contudo, a verdadeira dificuldade é a Agência Portuguesa do Ambiente não dar parecer favorável ao relatório de conformidade ambiental e sem isso as instâncias comunitárias não libertam o financiamento. Contudo, já conversei com o secretário de Estado do Ambiente que me garantiu que o Governo mostrou interesse na manutenção deste projeto.
Por outro lado, caso o Governo não mostre esse interesse, e porque este projeto tem fases e componentes autónomas, propor que o projeto avance ainda neste quadro comunitário de apoio no QREN com a construção dos seis reservatórios e dos 30 quilómetros de condutas, o que representa um investimento de aproximadamente 10 milhões de euros, cerca de metade do total. Isso permitiria criar mais reservas de água, minorar as perdas do sistema e melhorar também a qualidade da água da Covilhã. Existem dois planos, A e B, a montante e a jusante, relativamente perto, sendo que a diferença entre eles está no método construtivo.
P- Do ponto de vista do executivo não foi fácil organizar uma maioria que lhe desse solidez. Tem essa questão resolvida e assegurado um executivo com capacidade de decisão e com maioria?
R- Registo com agrado a atitude dos vereadores eleitos pelo PSD e PCP, pois têm sido uma oposição construtiva e colaborante. Têm votado contra algumas deliberações, mas no essencial estamos de acordo. Deu-se a feliz coincidência do vereador Nelson Silva, que é um covilhanense muito pró-ativo e com vontade de ver o seu concelho a desenvolver-se, ter convergido e vai convergindo nas questões que reputamos essenciais contribuindo para a construção de uma maioria pontual. Não existe nenhuma aliança ou pacto, o que há é uma forte convergência em questões consideradas essenciais, desde logo na financeira porque o vereador Nelson Silva é especialista nessa área e tem dado um contributo prestimoso. Quero também sublinhar a colaboração dos presidentes de junta de freguesia. Contemplamos pela primeira vez obras em todas as freguesias, são obras úteis e não grandes obras, e vamos transferir 600 mil euros durante o ano de 2014 para as freguesias.
P- Apesar do executivo não ser maioritário, praticamente só o movimento independente se tem mantido à margem. Como encara essa postura?
R- Não quero ser injusto ao dizer que votam sistematicamente contra, o que não é verdade, mas há questões essenciais e em que têm uma postura menos colaborante e, ás vezes, até bastante negativista. No fundo, porque estiveram à frente dos destinos da Câmara, mas devemos encarar os cargos políticos que exercemos como missões efémeras e transitórias. É uma missão ser-se presidente de Câmara ou vereador não uma profissão.