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«A demografia é o maior problema da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela»

Entrevista a Vítor Pereira, presidente da Câmara Municipal da Covilhã

P – Foi uma vitória ou uma derrota conquistar a presidência da CIM das Beiras e Serra da Estrela mas não a sede para o concelho da Covilhã?

R – Quando falamos de cooperação intermunicipal, de solidariedade, não há derrotas nem vitórias e, portanto, é nesse sentido que eu encaro esta realidade. Além da minha presidência, os vice-presidentes são os autarcas de Seia e do Sabugal, portanto abrange-se todo o território. Dado o peso específico e a importância que reconhecemos à Guarda, era natural que partilhássemos esta comunidade sobre a qual tenho uma visão que não é bairrista, mas aberta, e quero que seja uma governação aberta, à semelhança do que defendo para o meu município. Até aqui tem funcionado muito bem, estamos numa fase embrionária, com dificuldades anteriores…

P – Tem havido problemas em termos de formalismo, nomeadamente porque esta é uma entidade jurídica nova e isso está a tornar o processo de criação um pouco mais moroso do que o previsto…

R – Sim, efetivamente só há poucos dias lográmos obter o nosso registo no Registo Nacional de Pessoas Coletivas. Porque somos a única CIM do país que resultou de uma fusão, temos que começar como se estivesse a ser agora constituída. Mas já demos passos significativos e temos marcada para dia 14 a primeira reunião da Assembleia Intermunicipal que vai instalar os órgãos da Comunidade. É uma cerimónia simples em que o presidente da Assembleia Municipal do concelho com maior número de eleitores (a Covilhã) vai instalar a Mesa, que depois dará posse aos diferentes órgãos da CIM.

P – Neste momento há alguma ideia sobre quando terá um plano estratégico para apresentar?

R – Estamos a tratar do plano estratégico de desenvolvimento intermunicipal com uma empresa especializada. Isso requer a recolha de contributos de todos os municípios e a inserção dos projetos que vamos considerar mais importantes para o desenvolvimento da região, bem como dos que têm caráter intermunicipal e dos que são mais do foro concelhio.

P – Qual o valor global previsto para o próximo quadro de apoio?

R – Cerca de 400 milhões, mas ainda estamos numa fase de concretização do plano e de o densificar, de o priorizar. Aliás, na próxima semana vamos ter uma reunião do Conselho Intermunicipal para tentarmos ultrapassar as questões de maior melindre porque queremos evitar duplicações de projetos, fomentar a cooperação, indo ao encontro do espírito CIM.

P – Nesse contexto, o presidente da Câmara do Fundão expressou alguma divergência em relação a uma suposta coesão que a CIM tinha sobre algumas obras ou alguns eixos estratégicos para a região. Qual é a sua reação perante sugestões ou ideias que fogem um pouco ao que seria uma ideia consensual?

R – O que mais me choca na posição do meu colega do Fundão é, por um lado, falar nestas coisas à revelia do Conselho Intermunicipal e também por ele saber que as três obras a que se reportou nas infelizes declarações que proferiu são emblemáticas e são velhas reivindicações de gerações de autarcas e das populações: os túneis da Serra da Estrela, o IC6 e a infraestrutura aeroportuária da Covilhã, que servirá toda a região e será uma mais valia para alavancar o nosso futuro.

P – Estas divergências poderão contribuir para minar a harmonia que deveria haver nesta fase de instalação da CIM?

R – Sim, não vem ajudar nada, mas é melhor surgirem nesta altura do que numa fase posterior, porque concorda-se ou discorda-se, ou se prioriza ou não se prioriza, não podemos é concordar com elas em janeiro e depois, em finais de fevereiro, dizermos que «temos de ser pragmáticos, coitado do Governo tem pouco dinheiro e portanto não vamos exigir que seja feita justiça com o interior».

P – Prefere uma posição de defesa dos interesses locais e regionais da comunidade como um todo e não desistir de nenhum projeto…

R – Não desistir, manter esses projetos na ordem do dia e fazer uma pressão constante sobre os governantes, sejam eles de que partido forem. O que nos guia é a defesa intransigente dos interesses da região e olharmos cada vez menos para o umbigo e apenas para o nosso concelho. Um autarca tem de defender firmemente os interesses do seu concelho, é para isso que somos eleitos, mas a verdade é que temos de compaginar essa defesa com a defesa dos interesses regionais, que não são incompatíveis. Neste caso concreto, permite demonstrar o irrealismo desta postura, para além da contradição insanável que ela encerra. Então uma infraestrutura aeroportuária, localizada na Cova da Beira, não serve para escoar mercadorias, para receber passageiros, para o voo recreativo? Temos aqui condições únicas até do ponto de vista dos ventos dominantes, da meteorologia. Por outro lado, o que pretendemos não é nenhum aeroporto pomposo, de grande dimensão, mas apenas uma pista onde possam aterrar aeronaves com passageiros e mercadorias, um edifício minimamente condigno para os serviços de apoio e um armazém. Como é que alguém defende uma infraestrutura destas em janeiro e depois vem dizer o contrário? Acho um absurdo e não compreendo, sinceramente. O mesmo se diga do IC6, que é uma velha aspiração regional de ligação rápida a Coimbra, que serve diretamente os concelho do Fundão e da Covilhã. Vamos fazer um caminho rural por Silvares? É verdade que neste momento de dificuldades do país tudo tem de ser ponderado, mas não podemos desistir de projetos importantes e devemos pugnar por eles. O que se passou é o pior sinal que uma comunidade intermunicipal pode dar a uma comissão de coordenação regional, a um Ministério das Obras Públicas ou ao Governo.

P- Quais são os principais constrangimentos das Beiras e Serra da Estrela?

R- A Europa já não pode ouvir falar de acessibilidades em Portugal porque há duplicações de estradas no litoral, mas a verdade é que no interior muitas delas estão por fazer. Tanto quanto sei, o que o novo quadro comunitário de apoio prevê são sobretudo acessibilidades às zonas industriais, isso é importante, mas não podemos deixar de pensar nas pessoas. Ora se temos uma região a ficar despovoada, uma região envelhecida e que tende a desertificar-se, não é pelo facto de sabermos que a Europa não as prioriza neste momento que vamos deixar de as inscrever e vamos deixar de lutar por elas. Aliás, o mesmo se diga com a ferrovia. Há poucos dias o presidente da CP veio dizer, um pouco paradoxalmente, que a conclusão da Linha da Beira Baixa entre a Covilhã e a Guarda é de vital importância para a CP, para a região e para o país, mas depois é colocada em décimo lugar numa lista de 15. Ninguém se pode conformar com isso e devemos é pugnar para que ela esteja em primeiro lugar porque ficou demonstrada a sua importância para a entrada e saída de mercadorias do nosso país, além do facto de haver um forte movimento pendular entre as duas cidades.

P- Há outro constrangimento interessante ou outro aspeto que nesta região seja de facto uma dificuldade que a comunidade vai ter de combater?

R- Eles são tantos que salientar um em particular é difícil, mas não posso deixar de referir o facto da Serra da Estrela ter a mais baixa taxa de natalidade da Europa e de termos tanta gente a partir e cada vez menos gente a ficar ou a vir. A demografia é efetivamente o maior problema que enfrentamos.

P- O emprego determinará ou não se as pessoas ficam. Será que esta é uma região que está condenada a desenvolver-se ou, pelo contrário, é uma região condenada a desaparecer?

R – Eu acredito – sou um otimista, obviamente ponderado – que esta região tem futuro porque tem potencial, tem condições únicas para poder desenvolver-se. Quando falamos em interioridade há um aspeto que não valorizamos, que é a nossa proximidade à Europa e a Espanha, portanto temos um potencial endógeno. Temos um bom politécnico e uma boa universidade, boas escolas, que têm que ser bem aproveitados para criar sinergias com os municípios que integram a comunidade intermunicipal e com o tecido empresarial. Relativamente à eventual fusão ou agregação de instituições de ensino superior, acho que devemos respeitar o cariz, a identidade dos politécnicos mas, ao mesmo tempo, inseri-los numa orgânica universitária. Trata-se de valorizar o seu estatuto, porque [o IPG e o Politécnico de Castelo Branco] só têm a ganhar se se organizarem em conjunto com a universidade, não perdendo nunca a sua autonomia e identidade.

P- A CIM nasce para gerir fundos comunitários no próximo quadro de apoio, mas os grandes centros e do litoral voltam a ser claramente favorecidos na distribuição destas verbas. Enquanto presidente da CIM Beiras e Serra da Estrela, o que pode e o que pensa fazer para contrariar esta tendência ancestral de tudo ir para o litoral?

R- Não me canso de reivindicar que a nossa região tem que ser positivamente descriminada. É verdade que há dificuldades, mas devemos continuar a batalhar para que as assimetrias entre o litoral e o interior sejam esbatidas. E só o serão quando questões como as acessibilidades e as infraestruturas fundamentais ao desenvolvimento económico e social do interior forem priorizadas. Só dessa forma conseguimos atrair empresas, trazer pessoas, trazer bens e serviços. No entanto, no relatório das infraestruturas de alto valor acrescentado verificamos que todas se localizam no litoral. A conclusão da Linha da Beira Baixa é a única exceção, mas está adiada para as calendas gregas.

P- Qual é a posição da Comunidade sobre as portagens nas antigas SCUT?

R- Condenamos a sua existência. As portagens são inexplicáveis e não deviam existir porque, além de serem das mais caras da Europa, são um fator de discriminação negativa da região. Devemos reivindicar a sua abolição e nem sequer admitir falar em descontos.

P- E sobre o fechos dos tribunais e de outros serviços públicos, como as finanças?

R- Quem faz essas reformas são pessoas sentadas à secretária no Terreiro do Paço e que não conhecem a realidade de Portugal, neste caso do interior, e não vêm que há pessoas que têm que se deslocar 100, 200 quilómetros por causa desta reforma judicial e não têm transportes para esses tribunais. Isto é penalizador, é injusto e vai gerar desigualdades e injustiça, que é aquilo que não deve haver. O mesmo se aplica às repartições de finanças, que espero que não passe de um rumor. Isto revela que estas reformas são feitas a régua e esquadro, ou pelo mapa do Google, e não pelo conhecimento da realidade.

P- Enquanto presidente da CIM é favorável à criação do Centro Hospitalar da Beira Interior ou considera que cada uma das unidades pode e deve permanecer autónoma?

R- Sou um acérrimo e antigo defensor do Centro Hospitalar da Beira Interior e numa perspetiva que vá para além das fronteiras desta Comunidade Intermunicipal até Castelo Branco porque, aí sim, temos escala para conseguirmos ter mais especialidades médicas. Os hospitais que existem na região devem ser integrados na perspetiva de um centro hospitalar – a sede é uma discussão que deve ficar para depois – que servirá um universo de 400 mil habitantes e nessa altura conseguimos obter essa otimização técnica e evitar que os casos mais complicados tenham que ser tratados permanentemente em Coimbra. Ainda assim, e obviamente que trabalhando dessa forma articulada, cada hospital deve ter, à semelhança do sistema inglês, a sua especialidade ou as suas especialidades, aprofundá-las, otimizá-las e trabalhar em rede como se exige nos dias que correm.

P- As CIM são o primeiro passo para a regionalização ou acha que esse debate não faz sentido, ou são realidades diferentes?

R- Para ser franco, vejo esta realidade como um ensaio e se esta experiência der frutos podem dar-se passos significativos no sentido de regionalizar, não como estavam a perspetivar há uns anos, mas face à nova realidade regional e tentar que se criem estas afinidades, esta coesão. Eu não me canso de defender esta cooperação e apelo constantemente a que abdiquemos todos um pouco da nossa individualidade em prol do bem coletivo e dos superiores interesses da comunidade alargada da região.

P- Está portanto otimista em relação à comunidade e enquanto seu primeiro presidente acha que é a pessoa certa no local certo para dar início ao processo?

R- Com toda a modéstia, devo dizer que me estou e vou esforçar para criar este espírito mas só será possível se os meus 14 ilustres colegas trabalharem e rumarem no mesmo sentido. Contudo, não obstante este diferendo recente com o colega do Fundão, devo dizer que há um espírito de cooperação e vejo muita vontade em criar efetivamente uma verdadeira comunidade.

P- De qualquer forma este episódio não deixa de demonstrar que o principal desafio da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela vai ser falar uma só voz. Esse é que vai ser o grande desafio deste primeiro mandato?

R- Acho que sim. Vamos ter que falar uma só voz, de forma coordenada e articulada com os restantes colegas da comunidade. Somos 15 membros do Conselho, sou apenas o presidente, o rosto visível do Conselho, que é um órgão colegial. Aliás, há uma dupla maioria, pois nas questões de fundo cada presidente de Câmara decide nominalmente mas também em função do número de eleitores do seu município. Parece-me que o legislador quis forçar “os consensos”, quis obrigar-nos a entendermo-nos e nós estamos condenados a isso.

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