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Frimário

1. Há poucas semanas, eram despejados nas redes sociais comentários aterrorizadores, acerca de Margarida Rebelo Pinto. Melhor, a propósito das suas incendiárias declarações televisivas. Onde afirmou que as manifestações contra a austeridade lhe causavam “repulsa”. A questão suscitou-me alguma matéria para reflexão. Comecemos pelo essencial. Parece que há gente que só se lembrou da existência da escritora graças a este episódio mediático. O que significa, para já, uma só coisa: MRP atingiu os seus objectivos promocionais. Mas esses comentários vão mais longe: demoniza-se a autora, adjectiva-se de forma pouco simpática a sua obra, encoraja-se a sua condenação ao ostracismo, clama-se por um exemplar auto de fé. Pessoalmente, sinto-me perfeitamente à vontade para falar do episódio. Por duas razões: 1º Nunca me interessou a pessoa de MRP, nem a obra de MRP, nem as opiniões de MRP. Aliás, exultei quando há 7 anos, no célebre “Couves e Alforrecas”, João Pedro George desmascarou a obra de MRP. O que lhe valeu uma providência cautelar movida pela romancista, que mandou retirar o livro do mercado. 2º Não sou apoiante deste Governo, especialmente depois do Verão, mesmo percebendo as razões da sua política.  Ora, o que ressalta desta onda de indignação contra MRP é a crispação uniformizadora que tomou conta destes opinadores. A saga inquisitória que circula nas redes sociais. E que nada tem a ver com a situação social do país, nem com as razões da sua existência, as quais, em concreto, merecem tratamento noutro lugar. Ora, o facto desses cidadãos alimentarem tamanhas sanhas persecutórias só pode significar que convivem mal com o pluralismo. E só reivindicam a liberdade de expressão para si próprios, ou para quem afina pelo mesmo diapasão. Sucede que aquela só se entende na sua magnitude se incluir o direito ao disparate, a prerrogativa da singularidade, a licença da excentricidade, a irredutibilidade da imaginação. É exactamente nas suas margens que a liberdade de expressão mais deve ser defendida. Porque é  precisamente aí que é mais frágil e preciosa. É a sua particular exigência de densificação que o requer. Certamente para que eu possa discordar de muitos. Ou que outros possam discordar de nós. Mas, sobretudo, para que alguém possa discordar de todos…

2. O Governo prepara-se para alterar a lei do Tabaco. Uma das inovações mais polémicas prevê a existência de uma espécie de cadastro para pais fumadores. Ora, a propósito de tema diverso, falei sobre o filme de ficção científica “Gattaca” como bom exemplo de uma espécie de utopia eugénica. Um mundo onde existe uma rígida segregação, um sistema de castas entre os que têm um ADN irrepreensível e os “inválidos”. Ser “inválido” significa ter uma esperança de vida reduzida, grande probabilidade de contrair e ser vitimado por doenças de risco, QI baixo, etc. Logo à nascença, é feito um teste completo aos “anjinhos” e “anjinhas”, que determina desde logo a sua viabilidade genética e, logo, produtiva. Se a coisa corre mal, os pais são aconselhados a experimentar a fertilização “in vitreo” no próximo rebento. Até porque já sabem que o filho “inválido” será para sempre uma espécie de “intocável”: reduzido a cumprir as tarefas mais “baixas”. Quanto aos “eleitos”, os que, testes após testes, reúnem os requisitos “apropriados” à perfeição, têm o mundo a seus pés. O Orson Wells que me perdoe. Portanto, vamos ter uma utopia nazi, “perto de si”.

3. A recente demissão de Américo Rodrigues como director do TMG é mais do que um acto excêntrico de um novo Presidente de Câmara que quer inaugurar um novo estilo de liderança. Adivinhava-se a sua insensibilidade relativamente à necessidade de uma sala de espectáculos na Guarda com uma programação regular de qualidade. E adivinhava-se uma estratégia pensada de esvaziamento da Culturguarda. A forma atabalhoada como a demissão ocorreu, para além de confirmar essa estratégia, demonstra ainda duas coisas, intimamente ligadas: a busca desesperada de um pretexto para afastar o maior obstáculo a esses fim: A.R.; a incapacidade em lidar com o assunto com frontalidade e coragem. É certo que AR nunca se coibiu de dizer o que pensa, de incomodar muitos, de apontar o dedo. E isso não lhe foi perdoado por alguns. Ele próprio o reconheceu, na sua página do FB, a propósito da publicação da antologia de textos do seu blogue “Café Mondego”. Ora, goste-se ou não do estilo de AR, é fundamental reconhecer que, numa cidade onde predomina o cinzentismo e a quietude burocrática, essa atitude cívica mais importante ainda se torna. Mas voltemos ao início. As limitações financeiras de uma Câmara em falência técnica e com excesso de pessoal são mais do que óbvias. Seria aceite com resignação uma diminuição da programação do TMG (não da sua qualidade), de acordo com a real disponibilidade financeira da autarquia. E nos termos de uma redefinição do financiamento da Culturguarda. Infelizmente, Álvaro Amaro optou pela demagogia populista, passando por cima de números e soluções que lhe tinham sido apresentados no processo de contratação do espectáculo de Cristina Branco. Infelizmente, fez comparações inadmissíveis com cantinas escolares. Infelizmente colocou a Culturguarda nas mãos de liquidatários, preferindo o servilismo diligente à independência e ao mérito. Infelizmente, está a transformar o TMG num “Salão de Festas”, como já li noutro local. Infelizmente, quem fica mal na fotografia é a Guarda.

Por: António Godinho Gil

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