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Caminho apertado

Editorial

1. O 25 de novembro é, estranhamente, uma data quase esquecida na memória dos portugueses, quando, na verdade, foi um dia determinante na afirmação da Democracia em Portugal, ano e meio depois da Revolução dos Cravos. Nesse dia, no “já” longínquo ano de 1975, depois de um “verão quente” e enquanto a esquerda radical promovia um golpe de estado para impor um Estado socialista, houve um contra-golpe de estado liderado por Ramalho Eanes que liquidou a revolta e acabou definitivamente com o PREC – Processo Revolucionário em Curso. Nesse dia, nasceu o Processo Constitucional em Curso, deu-se um passo definitivo para o regresso dos militares aos quartéis e emergiu a figura de Ramalho Eanes que, depois, seria eleito Presidente da República.

2. Na antiga FIL foi realizada uma justa homenagem ao ex.Presidente da República Ramalho Eanes. Homem austero e íntegro, tantas vezes criticado, ele é uma referência na sociedade portuguesa, por aquilo que foi e representa, mas também pela sua postura no presente, pela sua verticalidade ética e moral. Em momentos como o que atravessamos, de crise e dificuldades, de desconfiança generalizada pela classe política e falta de referências na sociedade e entre a elite, António Ramalho Eanes surge como um dos poucos portugueses, acima de qualquer suspeita, que, em vez de atacar, de se lastimar, de se queixar, de apontar o dedo ao outro, de ser demagogo, prefere dar uma mensagem de otimismo, de esperança, de confiança e de dignidade. O antigo Presidente da República aparece como uma reserva moral e uma referência numa Nação sequestrada pela Troika, pelo empobrecimento, pela austeridade, pelo medo, pela tristeza…

3. A aprovação do Orçamento de Estado para 2014 criou uma enorme ansiedade e preocupação aos portugueses – a todos os portugueses, inclusive a muitos dos deputados da maioria que votaram favoravelmente, mas produzindo declarações de voto de reserva, dúvida ou divergência sobre o documento e as grandes opções do plano para o próximo ano.

O debate e a votação do Orçamento de Estado evidenciaram uma maioria, do PSD e CDS, que não escolhe o consenso como caminho e prefere excluir todas as sugestões da oposição, mesmo as que taxavam as PPP’s de forma exemplar, e apenas cede na «botija de gás». É um mau prenúncio, muito para além das dificuldades que impõe, que não haja aproximação entre governo e oposição e que a divergência entre os partidos do “arco do poder” seja cada vez mais expressiva. Para além da mobilização sindical, que será cada vez mais intensa (como se percebeu pela “tomada” de quatro ministérios) ou do aumento de greves, a “rua” estará cada vez mais ocupada por todos os que não podem continuar a aceitar de bom grado a “opressão” da austeridade e o governo vai estar cada vez mais sozinho. Entrincheirado, Passos Coelho devia ter sabido estender a mão ao PS em nome da paz social e do cumprimento do memorando, mas para isso teria de optar por um novo caminho, o da vida para além da troika. Preferiu ficar sozinho. O caminho escolhido é perigoso. O próximo ano devia ser de regresso do crescimento económico, mas os cortes profundos inscritos no Orçamento de Estado e a exigência da troika no cumprimento do défice fazem perigar todo o esforço e sacríficos dos portugueses. Se em 2014 nada mudar tudo ficará na mesma (!), tudo ficará mais difícil para as pessoas, para os trabalhadores, para os jovens, para as micro, pequenas e médias empresas, para o interior, para o país. É preciso mudar de políticas…

Luis Baptista-Martins

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