Começam a tornar-se mais claros os factos por detrás da demissão de Américo Rodrigues do cargo de director do TMG e o que se sabe não é bonito. Na aparência é apenas o início da esperada rotação de lugares, já de si pouco estimável, mas a forma como foi alcançada recorda-me as técnicas usadas nas velhas purgas estalinistas. Que Américo Rodrigues não ficaria muito tempo no lugar parecia evidente, atendendo aos tempos que correm, e se a nova equipa camarária tivesse dito pretender outro perfil à frente do TMG, para prosseguir uma política cultural diferente, teria de se aceitar a substituição. O lugar era de nomeação, implicava confiança política, e o TMG é o principal instrumento das políticas culturais da autarquia.
Só que, aparentemente, não bastava uma simples substituição, já agora com um agradecimento pelos bons serviços prestados. É como se houvesse que substituir o director do TMG e este tivesse de sair sem honra, fosse qual fosse o pretexto. Não parecia bastante uma mudança de política, ou a necessidade de alguém com um perfil diferente, era também necessário que a saída de Américo Rodrigues tivesse uma aparência de justa causa e esta é a única coisa que posso concluir pela análise do desenrolar dos acontecimentos. Recapitulemos, agora com acesso a mais factos: Álvaro Amaro não terá gostado do custo do espectáculo marcado para o dia da cidade, considerando serem alcavalas (dos dicionários: quantias cobradas indevidamente, traficância) as parcelas do orçamento que excediam as despesas directas com a artista (cachet, IVA, despesas de deslocação e alojamento) e, nomeadamente, a remuneração de técnicos, material, check-sound, a afinação do piano de cauda ou o aluguer do auditório. Estas “alcavalas” pertencem ao custo habitual e necessário de qualquer espectáculo e têm de ser pagas por alguém, normalmente pelo seu promotor e, no caso, pela Câmara Municipal da Guarda. É verdade que esta é a principal financiadora, é a entidade pública participante da empresa municipal que gere o TMG, na linguagem da Lei nº 50/2012, mas deverá também pagar pela utilização dos seus serviços como qualquer utilizador. Se o TMG quiser ter alguma viabilidade, terá de obter financiamento para suportar a totalidade dos custos dos espectáculos que apresenta ou promove – ou a partir de agora quem quiser utilizar o TMG poderá fazê-lo gratuitamente?
Não eram portanto alcavalas. Eram custos inerentes ao espectáculo que alguém vai ter de suportar, nem que seja o próprio TMG – ou a Câmara, como entidade pública participante, se o exercício vier a revelar-se deficitário. A partir daqui entraríamos no terreno das puras deficiências cognitivas se fosse esta a verdadeira questão: o TMG cobra-se da Câmara por um espectáculo promovido por esta, e a Câmara teria de aumentar a subvenção anual do TMG se este não se cobrasse por essas despesas. Por isso dizia eu na semana passada não compreender tanta histeria sobre o assunto.
No entanto, como dizia, não se trata aqui de simples problemas cognitivos. É que quando Américo Rodrigues tentou explicar os factos em conferência de imprensa, desmontando a ofensiva tese das alcavalas, foi demitido de imediato. É como se a história anteriormente construída, já embelezada com ameaças de procedimento criminal para quem no futuro se atrevesse a fazer o mesmo (tal como cobrar pelos serviços prestados pelo TMG?), fosse demasiado boa para poder ser desmentida pelo principal visado. De repente, depois de ser sugerida a má gestão da coisa pública pelo director do TMG, em termos que chegam a colocar em causa a sua honradez, é ele na prática impedido de se explicar e, também na prática, castigado por tentar fazê-lo.
Perante isto podemos misericordiosamente aceitar que tudo não passou de uma inesperada conjugação de mal-entendidos e circunstâncias infelizes, e dou de barato que há factos que não conheço (mas então que os divulguem). Temos também o direito, considerando os factos conhecidos, de achar tudo isto abaixo de cão e de temer pelo futuro do TMG. Ou muito me engano ou, considerando os últimos desenvolvimentos, arriscamo-nos a vê-lo ser transformado no “pimbódromo” que muitos desejam há anos.
Por: António Ferreira