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Dourar a pílula

Agora Digo Eu

Ficou célebre a frase de Joseph de Maistre “Cada povo tem o governo que merece”, bem como um outro pensamento de Stefan Zweig “Os jacobinos quando ministros não são ministros jacobinos”.

Dizer mal dos políticos é indiscutivelmente uma maneira caricata de descarregar o que nos vai na alma e, quiçá, uma forma terapêutica de verbalmente combater as crises, onde o unanimismo da questão é êxito garantido e a discussão passa, na maior parte das vezes, para a conversa da treta, vindo ao de cima todas as frases feitas. Neste quase fait-divers nacional, dá-se conta de notórias contradições entre a promessa e a sua concretização, entre o oportuno e o oportunismo, numa visível diferença entre virtude e corrupção, entre altruísmo e vício, entre trico, dito e mexerico onde se constata, tantas vezes, a presença do insulto, a forma mais imprópria e mais baixa de afirmação. Curioso é tentar perceber que os políticos tudo fazem para que isto possa acontecer.

Na contenda eleitoral autárquica somos testemunhas da (re)conhecida predominância, partidocrática em Portugal. Os partidos representados na Assembleia da República utilizando o processo cínico, de uma escola de socráticos menores, resolveram, tal qual o sósia no Anfitrião de Moliére “O Sr. Júpiter soube (muito bem) dourar a pílula”, permitir que as candidaturas independentes às autarquias portuguesas fossem possíveis, colocando todos os entraves na Lei, de forma a que a complexidade fosse tão grande que (quase) tornasse a sua concretização em verdadeira miragem, argumentando “a existência de legislação deste tipo respeita o cidadão, as organizações e consolida o regime democrático”. Os partidos têm destas coisas e nesta matéria pouco ou nada contribuem para a defesa da liberdade e da democracia, percebendo-se que continuam a lidar muito mal com a crítica (a que permanentemente estão sujeitos) neste tempo onde se idolatram candidatos, os quais têm por objetivo continuarem carreiras políticas, mamando descaradamente pelas tetas da eterna porquinha que é a política.

No caso do movimento “A Guarda Primeiro”, projeto que meteu todos os medos aos partidos, tinha todas as condições de ser ganhador, apenas dois comentários. O primeiro é a vitória moral. Dizia Aleixo “A razão mesmo vencida não deixa de ser razão”. O segundo é a análise e reflexão deste enorme envolvimento da sociedade guardense, que não se revê mais nos partidos e a dinâmica criada, que agora não pode nem deve parar. E se o movimento conseguiu cerca de 3.000 assinaturas, pode muito bem recolher as 7.500 necessárias para propor a criação de um partido, este completamente diferente e com fim específico, sugerindo, desde já o respetivo nome: Partido do Empréstimo da Sigla (PES). É óbvio que tem pés para andar…

Nesta palhaçada tingida de laranja e rosa, pergunta-se o porquê destas situações? Porque não se clarificou a Lei da limitação de mandatos e se (re)criou legislação para uma verdadeira alternativa aos partidos. Pois…São eles que fazem as Leis, defendem-se e mantêm viva a chama dos seus próprios interesses, mesmo percebendo que o fosso entre eles e o “Zé Povinho” é cada vez maior. Com mais esta borrada em vários atos, obsequiando-nos com este triste espetáculo, digno de uma (quase) tragédia grega de Antígona, a política portuguesa continua a apostar na exploração da memória recente, levando à cena a crise de valores, onde a ética está completamente arredada, esquecendo, propositadamente, a honestidade, a integridade, no irreal quotidiano protagonizado por atores com visível falta de decoro verbal e moral.

Francisco Sá Carneiro afirmou “A política sem risco é uma chatice. Sem ética é uma vergonha”.

Por: Albino Bárbara

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