O drama familiar é um ingrediente habitual para os contadores de histórias. Depois adicionam-se problemas diferentes, desafios comuns e uma pitada de humor. Michael Arndt escolheu as quantidades certas quando escreveu o argumento de Little Miss Sunshine (2006), a sua estreia nas lides de argumentista e o único original até ao momento. O filme colecionou nomeações e ganhou dois Óscares: melhor argumento original e melhor ator secundário (Alan Arkin). Este feito é ainda mais admirável se considerarmos que concorreu com obras como Babel ou The Queen.
A estrutura de Little Miss Sunshine é agradável. As personagens são-nos dadas de forma criativa, enquanto os seus problemas se desnudam entre escolhas (infelizes) e acasos. O elenco é um extra delicioso, do qual destaco as “promessas” Paulo Dano e Abigail Breslin – que ocupam hoje o grande ecrã com regularidade. O ator que dá vida a Dwayne é um elemento essencial na dinâmica do filme, pois a sua comunicação (ou falta dela) marca o ritmo do crescimento motivado pelos infortúnios do grupo, inicialmente caraterizado pelo choque de princípios e ambições. Os ensaios privados com o avô (Arkin) aguçam a curiosidade do espetador, que se torna agente ao partilhar alguns segredos com a família, mas também ao descobrir-se nos problemas e defeitos celebrados no ecrã.
A ação tem como ponto de partida as relações já estabelecidas, mas uma viagem inesperada promete confundir as nossas expetativas – e as dos personagens. Olive (Abigail Breslin) é chamada a participar em “Little Miss Sunshine”, um concurso de beleza destinado aos mais pequenos, mas através do qual vislumbramos e recordamos “tiques” que são presença assídua na caricatura e extrapolação de atividades tradicionalmente adultas. Esta “família à beira de um ataque de nervos”, título português, prepara-se então para conduzir centenas de quilómetros com um único objetivo: concretizar o sonho de Olive. É numa carrinha “pão-de-forma” amarela que a viagem arranca e o entusiasmo da criança esbate com os dogmas e “fantasmas” dos restantes, desafiando as crenças de todas as personagens.
Os sonhos não têm forma. A inocência dos mais pequenos seduz-nos porque é mais fácil do que as responsabilidades do elenco adulto, pelo que não é de estranhar que Olive se assuma como o elemento conciliador entre o sonho e a realidade. A linguagem de Little Miss Sunshine vai para além das palavras: aproveita cores, comportamentos, silêncios e desventuras. Uma lufada de ar fresco para quem gosta de cinema.
Sara Quelhas
Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra