Como bom é de ver, o dito não é bem este. No entanto, no atual estado de coisas faz todo o sentido.
Vejamos: durante os últimos dias o país em geral foi assolado pela enésima vez pelo flagelo dos fogos florestais que, literal e metaforicamente, ceifam vidas. Literalmente como aconteceu com o bombeiro da Covilhã que, no auge da vida, se viu cercado pelas labaredas quando, altruísta e solidário, defendia os bens dos outros. Metaforicamente quando as chamas devoram vidas inteiras de trabalho e deixam na penúria quem, com o seu suor, conseguiu resistir aos ventos do destino e pensava ter angariado meios para o ocaso da vida. Basta ver os rostos que, impudicamente, quase pornograficamente, as câmaras teimam em mostrar-nos em grandes planos de um sofrimento atroz.
Todavia, e se é verdade que a experiência é a mãe de todas as coisas, o país já deveria ter aprendido. Ano após ano, a cena de tragédia repete-se quotidianamente. De origem natural uns, de causas mais esconsas e tenebrosas outros, os incêndios devastam milhares de quilómetros quadrados de uma riqueza imensa não respeitando nada nem ninguém.
Mas não, o país não aprende com o passado e continua a decretar, preto no branco, o início da época de incêndios. Como se as leis da mãe natureza aceitassem o jugo das leis dos homens…
Não, definitivamente o país não aprende. Chegam os primeiros dias de canícula e é certo e sabido que, mais dia menos dia, havemos de ver no horizonte azul uma coluna cinzenta a elevar-se. Depois, poucos minutos depois, o rugido das hélices dos helicópteros ou dos motores dos aviões há de atroar os ares e lançar mais uns metros cúbicos de água sobre as línguas de fogo.
Entretanto, durante o período invernal não houve capacidade, ou não se quis, implementar meios de prevenção que pudessem, quem sabe se com recursos mais reduzidos até, atenuar o flagelo. Não. Continua-se, impávido e sereno, a aguardar que o ano não seja muito quente, que chova de vez em quando, que…
Entretanto continuam os terrenos por limpar, as matas quase impenetráveis, os acessos em mau estado quando não são inexistentes. Isto apesar de existirem leis que obrigam os particulares a manterem limpos os seus terrenos. Mas, se é o próprio Estado a desrespeitar essas leis não limpando aquilo que lhe pertence, que legitimidade tem para exigir isso ao cidadão?
Talvez o país, invertendo o tempo da parábola da cigarra e da formiga, devesse trabalhar mais no inverno para poder descansar de verão…
A outra face da moeda é dada pelos chamados “soldados da paz” que, sem mãos a medir, põem as suas vidas em risco em prol dos outros. São eles o “barroco dos tiros” das populações. São eles que ouvem lamentos e revolta. São eles os que primeiro aconchegam corações destroçados. Mas são também eles que, para as populações em sofrimento, chegam sempre atrasados, deveriam trabalhar mais e mais depressa, deveriam estar à esquina de cada rua. Apesar de tudo o país aguenta. Ano após ano. Ditosa pátria…
Por: Norberto Gonçalves
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