Se querem saber o que vai na gaveta mais funda da minha alma é a insolvência desta família. Eu não recordo ter cobrado salários que não correspondessem a tarefas (vi muitos que assim não era) e não recordo falta de empenhamento e de interesse. Lembro cada um dos que me ajudaram fora de horas, se empenharam com arrojo e carinho e ainda dando sorrisos. Não recordo medalhas, não recordo prémios. Na gaveta mais funda tenho o medo da crise. Na gaveta maior tenho o rosto dos heróis. Os que construíram associações de pais, os que foram voluntários, os que para lá das normas fizeram trabalho, os que militaram sem esperar retorno. A ineficiência do Estado mata esta força que nos levava contra a maré. A ausência da definição de tarefas/funções nas horas de emprego é demolidora e desconstrutiva e cria maus hábitos. Além do mais, a destruição de alguns lugares leva a que outros sejam “puxados” ao rubro cansando o prazer do trabalho, convertido agora numa violência gratuita. A insolvência é o caminho de muitas pessoas da função pública se vier o segundo resgate, pois as normas foram aniquilando os segundos empregos, matando as capacidades de rentabilizar o tempo livre e penalizando de impostos o esforço extra. As famílias que lutam agora no fio da navalha e são semelhantes à minha – são profissões liberais, são casal mais filhos, são cumpridores dos seus compromissos na chegada de mais cortes salariais ou mais regras contra a iniciativa livre entram na incapacidade de cumprir. Não falo de estouvados ou pessoas deslumbradas, falo de jovens e de adultos que se lançaram nesse mar salgado levando garrafa de água doce e farnel, remando apenas na força dos braços e a meio da viagem encontram uma corrente que os arrasta e um mar que se empertiga e agora se tinge de malévolas algas tóxicas. Esta família média encontra-se numa viagem de milhares de famílias aflitas com as perspetivas. Será que nos partidos já mediram esta tensão? Será que nos partidos já começaram a fazer os eletrocardiogramas?
Por: Diogo Cabrita