A violação do segredo de justiça e a forma como se processam as escutas telefónicas dominaram quase por completo a intervenção do bastonário da Ordem dos Advogados, sábado à noite na Covilhã. Convidado pelo Lions Clube da Cova da Beira para debater “Justiça e Sociedade”, José Miguel Júdice voltou a apontar várias críticas ao sistema judicial português, que está «feito para não funcionar» dada a sua desorganização, a demora em despachar os processos judiciais e, sobretudo, porque as leis são geradas por «pessoas tão geniais que são feitas para países que não existem», ironizou o bastonário.
Defendendo que o segredo de justiça apenas deveria restringir-se a «certos crimes», José Miguel Júdice alertou para a necessidade de se «distinguir» o segredo de justiça interno e externo, considerando «inadmissível» que o advogado não saiba qual o crime de que o seu cliente é acusado. Daí que para Júdice o segredo de justiça interno deverá «acabar» e, em caso de violação, haverá que punir os culpados. «Não me digam que não se pode investigar o segredo de justiça. É o mesmo que não investigar um homicídio», comparou Júdice, para quem é «facílimo» descobrir os culpados. «Não estou a acusar ninguém em concreto, não sou investigador, mas seguramente que a violação do segredo de justiça começa em juízes, procuradores, advogados, funcionários ou agentes da Judiciária. Não pode começar noutro lado», adianta. Mas é a «perversidade» das escutas telefónicas que mais chocam o bastonário da Ordem dos Advogados. Na sua opinião, elas são como os «métodos de tortura» utilizados no século XVI, ressalvando, no entanto, que a Ordem não é contra o método de investigação criminal mas contra a forma como são feitas: «Sem controlo» por quatro instituições (Serviços de Fronteiras, PSP, GNR e a Polícia Judiciária).
Para além disso, há ainda a suspeita de que algumas escutas «não são destruídas» como manda a lei. «Nem quero acreditar que isso seja possível», alerta, duvidando que seja possível ter alguma segurança «quando há o risco ou pelo menos a suspeita de que as coisas correm mal», acrescenta. As escutas apenas deveriam ser feitas pela Polícia Judiciária e controladas pelo Ministério Público e «só em casos em que não houvesse outras formas viáveis de investigação», defende Júdice. Em contrapartida, o mediatismo da justiça causado pelo processo Casa Pia trouxe, na opinião do advogado, algumas vantagens. A prisão preventiva, sem que o arguido saiba o crime de que está a ser acusado, as dúvidas quanto ao prazo para entregar um recurso, a excessiva demora em despachar os requerimentos, as escutas telefónicas e outras questões semelhantes – que só existem num «país de desvairados» – alertaram a opinião pública para as deficiências do sistema. Uma forma de evitar os erros em casos menos mediáticos e assim exercer a influência sobre os políticos para que as coisas mudem. A onze meses de concluir o mandato e com a promessa de que não vai voltar a recandidatar-se, Júdice espera ver até 2006 as reformas judiciais prometidas. É que para a justiça funcionar é preciso mudar «tudo».
Liliana Correia