São guardenses e a tão falada “crise” afetou as suas vidas. Fora da sua zona de conforto, são três exemplos de quem arrisca e cria alternativas. Antes ou depois do desemprego, esta é a realidade de quem não quer parar, nem que para isso tenha de seguir um caminho incerto. Para eles, o futuro é já amanhã, o resto vem mais tarde.
«O meu país não me reconhece como profissional»
Daniela Sebastião tem 24 anos e emigrou este ano para Rugby, perto de Birmingham (Inglaterra). Licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Saúde da Guarda, a jovem mostra-se desiludida com o tratamento que é dado à profissão no nosso país: «O que me levou a emigrar foi a falta de respeito pela profissão em muitos sítios. A enfermagem existe porque é necessária, mas para fazer tudo e ser muito mal paga», considera.
Como se não bastasse, a conjuntura atual dificulta a entrada no mercado de trabalho a quem acaba se formar: «Infelizmente, a “palavra mãe” para todos os enfermeiros recém-licenciados é o desemprego», adianta. A jovem guardense diz ter ponderado trabalhar fora da sua área, situação que não conseguiria «tolerar durante muito tempo. Está-me no coração, eu respiro e vivo enfermagem», garante. Assim, a procura de uma alternativa, mesmo fora do país, foi a oportunidade de trabalhar na sua área, «com o respeito que esta «merece», acrescenta. As mudanças são incontáveis: «A minha vida deu uma volta de 180 graus. Estou num país que não fala a minha língua, sem a minha família e amigos… Muitas coisas são diferentes», conta. No entanto, Daniela Sebastião defende que é tudo uma questão de hábito, pelo que «agora até o cheiro é familiar».
E esta mudança já é uma aposta ganha: «É um país que nos valoriza, nos trata com dignidade e nos reconhece como bons profissionais. Em termos monetários também é gratificante comparado com os meus colegas em Portugal», revela. Deste modo, embora difícil, esta é uma transformação em prol da carreira em que acredita. «O meu coração está junto da minha família. Agarro-me às férias, em que vou matar saudades», declara. Contudo, a ânsia de regressar aos “seus” convive com a revolta de quem sente que o país não luta o suficiente por si: «O meu país não me reconhece como profissional de enfermagem com ética, valores e dignidade», critica. Para já, o futuro é uma incógnita, pois procura aproveitar «um dia de cada vez», mas admite que a curto prazo «voltar não é uma opção».
«Não é fácil “segurar o barco” quando não pagam os serviços»
Há quatro anos, Luís Pombo lançou o “Auto-Rodinhas” (autorodinhas@hotmail.com), um serviço de assistência automóvel ao domicílio que abrange todo o distrito. À distância de um telefonema, o mecânico, hoje com 34 anos, desloca-se até ao cliente e consegue realizar, no local, «uma série de mudanças, sobretudo ao nível da manutenção».
Corria o ano de 2008 quando se viu sem emprego e, inconformado, criou o seu próprio negócio, o que se revelou uma boa opção: «Os dois primeiros anos correram muito bem. Havia muitos serviços para fazer e as pessoas pagavam rápido», recorda. O investimento parecia ter compensado, mas «a crise complicou tudo. Mais ou menos na mesma altura, as pessoas começaram a ter dificuldade em pagar. Pedem mais tempo, pagam aos poucos e, às vezes, até evitam certos serviços, pois já sabem que não vão ter dinheiro», conta. O mecânico admite que alguns clientes lhe explicam as dificuldades que atravessam, mas esta é uma tendência que coloca o negócio em perigo: «Não é fácil “segurar o barco” quando não pagam. Nós também temos as nossas contas a prestar. Quero aguentar o máximo de tempo possível porque, a continuar assim, corro o risco de fechar», receia.
No entanto, o trabalho, felizmente, não falta: «Tem havido sempre, o pior é depois ser ressarcido por ele», diz, acrescentando que as pessoas elogiam a sua coragem e que é essa mesma força de vontade que alimenta o projeto: «O “Auto-Rodinhas” continua a ter razão de ser. Vou manter a dedicação e logo se vê. O problema é que está tudo cada vez pior, a crise afeta todos os setores. Note-se pelas grandes empresas que havia na Guarda, como a Delphi, e que foram fechando nos últimos anos», sublinha. Mecânico há 18 anos, Luís Pombo não se arrepende desta aposta e reitera que «vale sempre a pena», embora reconheça que «a questão era outra» se fosse para começar agora. «Não sei se aconselho alguém a criar um projeto, porque vai investir e depois, se os clientes não pagarem, perde tudo», afirma.
«As pessoas “inventam” soluções que resultam»
O desemprego foi uma hipótese que «assustou» Sandra Bravo, de 29 anos. Formada em Gestão Hoteleira, o risco de não ser colocada no corrente ano letivo fez emergir um desejo com vários anos: criar a “Momentos Perfeitos” (momentos.perfeitos@hotmail.com) – cozinhar e entregar refeições de que as pessoas precisam, mas não têm tempo de confecionar. Certos exemplos ajudaram-na a ter coragem: «Todas as tardes vão à televisão mostrar projetos, as pessoas “inventam” soluções que resultam», explica.
Em outubro, a colocação no Agrupamento de Escolas de Celorico da Beira, aliada a formações em hotelaria e restauração, alterou a sua rotina mas não o empenho. Organização é a palavra-chave: «Peço que reservem um dia antes, o que me permite preparar e oferecer um serviço de qualidade», afirma. A formadora confessa que a atual crise impossibilitou algo com maior impacto: «Tive de pensar no que é essencial, ninguém pode deixar de comer. Já as festas de aniversário, que eram a ideia inicial, são muitas vezes preteridas», diz, revelando que o seu projeto integra a organização, decoração e catering destas festas. A crise é uma realidade de que Sandra não se afasta, pois influencia o seu dia e o dos seus clientes. «Por vezes nota-se nas doses pedidas, mas isso acontece em todo o lado, infelizmente», constata.
No entanto, o balanço desta iniciativa é positivo: «Tem valido a pena. Ainda está na fase inicial… A maioria dos clientes são pessoas próximas, que vão dando a conhecer o projeto a outras», refere. Esta é uma aposta a desenvolver, com transporte e espaço próprios, mas sem abdicar da formação: «Gosto do que faço. Quero transmitir conhecimentos e competências nesta área, que alia o meu gosto pessoal ao profissional», declara. No futuro, Sandra Bravo espera ir mais longe, sendo que nesta altura «há medo de arriscar». Um negócio de turismo rural é um dos objetivos mais ambiciosos: «Já quis desenvolver um espaço em Figueira de Castelo Rodrigo, até porque tenho lá condições. Mas a crise causa bastante receio, então continuo a adiar», justifica.