Arquivo

Caro Sandro

Desculpa amigo. Desculpa o silêncio e a cumplicidade que ele transporta. Desculpa amigo esta forma de protestar sobre o teu despedimento. Desculpa porque não tenho força, não tenho voz, não tenho poder e não pude fazer nada. Desculpa, mas não dirijo nada, não mando em nada, não fui escolhido para conselheiro de coisa alguma, não fui assessor de coisa nenhuma, nem diretor de unidade ou departamento. Eu sou o amigo que faz Urgência contigo ao lado, eu sou o tipo que conheces há 15 anos e a quem confio o carro nos dias de multidão, que me tens defendido de abusos e deselegâncias. Meu caro Sandro, esta carta é um imenso obrigado pelos cumprimentos simpáticos, os teus e dos teus colegas, com décadas de Hospital dos Covões.

Alguns de vós cresceram comigo. De alguns recordo a presença há mais de 18 anos. Os seguranças do Hospital dos Covões eram informadores, eram cúmplices, eram um ombro amigo de doentes, de histórias crónicas, de mortes lentas. Um sorriso, um abraço, uma sugestão. No fim de um dia duro, uma noite azeda, lá estava o Sandro ou outro a testemunhar uma face fechada. “Então? tudo bem?” E quem está connosco tantas vezes ouvia um desabafo, um desencanto, uma alegria também. Estes homens, que uma política obviamente errada, um modo de gerir doente lança para o desemprego, têm uma experiência única, um saber construído por centenas de experiências e de testemunhos, uma vivência inigualável, que só poderá ser recuperada dentro de décadas. Estes homens formados em relação de pessoas, em vivências extremas, em histórias de gente, são também a representação dos Covões que morrem.

O Hospital dos Covões foi do CHUC o único ao qual a empresa de segurança amputou os quadros. Uma empresa que parece ter desejado a ilegalidade como caminho, a má conduta como destino e uma empresa, possivelmente, também vítima dos contratos em que só o dinheiro conta, em que só reduzir a cidadania é solução. Desculpem amigos e percebam que, se mandasse, eles iam já procurar contrato para outra cidade, se mandasse, isto não acontecia, se mandasse, a experiência era critério de inclusão, se mandasse, a simpatia e a cordialidade era certeza de escolha. Hoje, estamos todos mais pobres, estamos todos mais sós.

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply