À luz da emergência nacional que vivemos, há certamente um debate a fazer quanto à história recente de Portugal e às opções estratégicas tomadas pelos dirigentes políticos em Portugal no pós 25 de abril de 1974. O debate diz respeito à Europa, e a primeira questão a salientar não pode deixar de ser o profundo erro da classe política portuguesa a quem nunca interessou promover o debate sobre o tema e para quem, por ignorância ou defesa dos privilégios adquiridos, a Europa se transformou na panaceia para todos os males do país. De forma acrítica, o processo de integração na Europa foi assumido como inevitável e um milagre para o país que perdera o império, acontecesse o que acontecesse com as negociações específicas relativas ao embate dos diferentes setores económicos com o colosso europeu. Algo que é preciso ler agora a uma nova luz, a classe política no poder em Portugal desde 1975 viu na Europa a única forma de legitimar a manutenção desse poder e viabilizar o país. Sem mais visão estratégica que essa. É certo que Portugal sempre foi um país exógeno, que não controla a maior parte dos elementos do sistema em que está integrado, e que sempre precisou de um apoio externo para garantir a sua soberania, às vezes com custos tremendos para o seu desenvolvimento. É certo que a opção europeia era inevitável após 1974, mas essa opção nunca foi considerada de forma crítica, nunca foi produzida uma visão estratégica de Portugal na Europa e pior, o debate sobre o tema sempre foi cerceado pela classe política, receosa de se confrontar com as suas decisões. PS e PSD sempre inviabilizaram um referendo sobre a integração, com receio de que o debate promovesse as teses anti-europeísta, mas acabaram por impedir a análise prospetiva dos desafios que essa integração levantaria.
Em 2012, e com Portugal transformado num protetorado da troika, é mais fácil perceber que o país nunca teve verdadeira política europeia, nunca percebeu a importância de produzir uma visão europeia e de ter voz no futura da integração do continente. A ignorância, a inaptidão e a displicência da classe política portuguesa são responsáveis por isso; a ausência de debate sério sobre o país fez o resto. Por toda a Europa, debateu-se intensamente, nos últimos 20 anos, o impacto do alargamento europeu aos antigos países da esfera soviética, a integração da China no sistema comercial mundial, os efeitos da globalização económica e financeira e o impacto de tudo isto para a velha soberania dos estados. Alheia a tudo, a classe política portuguesa preferiu promover um modelo de dependência do crédito externo, dos subsídios europeus e do setor de bens não-transacionáveis, profundamente garantista dos seus privilégios e protetora do tráfico de influências. Pelo caminho ficou a capacidade produtiva e a vulnerabilidade do país a todo o tipo de choques. Porventura, o erro mais estratégico foi o de que, na Europa do futuro, bastaria assumirmos a condição de periferia e consumir – a crédito – enquanto a produção poderia ficar concentrada no centro. A solidariedade europeia faria o resto, nomeadamente a redistribuição da riqueza do centro para as periferias.
O drama consiste então em que continuamos sem visão estratégica. Prescindimos dela na suposta abundância e não somos capazes de a produzir num momento de emergência nacional. Ao contrário, o que sobressai é a defesa dos privilégios adquiridos por quem deveria governar o país e o transformou num protetorado das instituições internacionais. Sem mais programa que a austeridade, o empobrecimento e o aprofundamento da crise, o país vai desaparecendo da Europa e vai perdendo voz e capacidade de intervenção e decisão. Não era assim que imaginávamos o fim da soberania mas este pode bem ser o golpe de graça para países como Portugal.
Por: Marcos Farias Ferreira