Comunidades Urbanas. Li desiludido a prosa dos meus colegas de jornal sobre este projecto. Nem um, repito, nem um denunciou categoricamente a notória falta de democracia do processo. Há cinco anos o povo chumbou em referendo uma abstrusa proposta de regionalização do PS. Agora, é o PSD que volta à carga. Mudou o nome da coisa mas mantém-se o princípio: a criação de estruturas intermédias de poder entre o Estado Central e as autarquias. Mas voltou da pior maneira. Comecemos pelo princípio.
A proposta, se bem se lembram, foi apresentada numa altura em que a alta inteligência indígena andava excitadíssima a discutir o problema do Iraque, o “imperialismo americano” e matérias quejandas. No meio de todo este ruído, o governo, num acto de esperteza saloia, avança com o dito projecto. Como seria de esperar, na altura, ninguém quis saber do assunto – afinal de contas, o futuro da nossa civilização não podia esperar. Ante a indiferença geral, o governo passa a bola para os autarcas e pede-lhes que se entendam e que se associem conforme a sua real gana. O povo, o bom povo, não é tido nem achado. Para a aprovação bastam dois terços dos votos das Assembleias Municipais.
Estamos perante um verdadeiro atentado à democracia perpetrado pelo governo, os autarcas e o silêncio cúmplice da oposição – o PS com certeza receia ser acusado de incoerência relativamente às suas anteriores posições. Ah, é verdade, há ainda a agravante de estes futuros órgãos poderem não ser eleitos. E tudo isto à revelia da vontade popular. Tudo feito sorrateiramente nas nossas costas.
Sobra uma pergunta: esta reforma é necessária? Não, claro que não. Vai servir, basicamente, para os autarcas disporem de mais mordomias e de mais tachos para distribuírem pelos seus apaniguados. Vai aumentar ainda mais a burocracia, ou seja, atrasar o desenvolvimento. E, sobretudo, vai tornar o país num caos, em que cada comunidade vai tentar berrar mais alto do que as outras de maneira a sacar mais dinheiro aos contribuintes.
Acho bem que se descentralize. Mas para isso não é necessário criar estruturas intermédias de poder. Portugal, devido à revolução dos transportes e das telecomunicações, é cada vez mais pequeno. Estar a retalhá-lo é um exercício ridículo. Devia-se, isso sim, acabar com muitos concelhos e proceder a agregações ou, noutros casos, a desagregações.
Esta proposta do governo, além de intrinsecamente desonesta, é meio caminho andado para tornar Portugal ingovernável.
José Miguel Carreira Amarelo. Em boa hora, Joaquim Brigas, director da ESEG, organizou, na passada sexta-feira, uma homenagem ao falecido padre Carreira Amarelo – primeiro director eleito da ESEG. Destaco as palavras sábias do Professor Júlio Pinheiro: “Uma pessoa verdadeiramente culta nunca pode ser uma pessoa difícil. Cultura vem de prestar culto, tem a ver com a capacidade de escutar o Outro.” Nesse sentido, posso acrescentar que o padre Amarelo foi, sem dúvida, uma das pessoas mais cultas que eu conheci pessoalmente. Foi alguém que passou discretamente por este mundo e só vive bem quem vive discretamente. Tinha a força dos tímidos.
Por: José Carlos Alexandre