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A casa da mandíbula

Reutilizar é um princípio fundamental de gestão económica e de diminuição de resíduos. Reutilizar é um princípio basilar de todos os projetos que queiram poupar recursos. Não reutilizamos nós? Damos a quem saiba. Assim estão Lorvão, Arnes, o antigo Pediátrico e, brevemente, a Maternidade de Bissaya Barreto e o Hospital de Sobral Cid .

É o tempo da voracidade. Destruir para… supostamente poupar. Mas estamos a mover equilíbrios instáveis de 45 a 60 anos, estamos a mobilizar situações que têm consequências desconhecidas, sem estudos de nada, sem análise das retaguardas, sem estudo do impacto do imprevisto. Pegamos no que podia ser reorganizado, tornado eficiente e destruímos. Fechar como solução da ineficácia dos gastos.

Mas estamos a digerir pessoas, caso não se tenha dado conta. Gente – pessoas – cidadãos.

Reduzir é outra premissa fundamental. Reduzir serviços, reduzir favores, reduzir horas extraordinárias, reduzir ineficácia. Assim, pega-se na cirurgia mais eficiente em termos de redução de listas de espera e acaba-se com ela. Aumenta-se a lista de espera dos doentes. Mas que importa? Trabalhar menos gasta menos dinheiro.

Reduzir a produção é, obviamente, um paradigma inesperado. É um novo pilar para a democracia. Dou menos, pagas mais. Pago mais caro os serviços e tenho-os em número reduzido, compactados em processos trituradores.

Menos urgências, menos camas de agudos, menos fármacos, menos serviços, menos instituições. Reduzimos as pessoas com processos que constroem tragédias, como as do último mês de fevereiro (mais milhares de mortos do que em qualquer fevereiro homólogo da História), e ninguém analisa ou retira consequências. Eram velhos – por acaso pessoas – gente – cidadãos.

Reciclar é mandar de volta à vida aquilo que já se utilizou, recuperar as embalagens integrando-as no ciclo vital outra vez. Reciclar é dar vida de novo. Assim, reciclar instituições e pessoas é um fundamento da democracia sustentável. Reciclar é processo educativo, é formação, é investimento em novas tarefas, é abrir horizontes. Mas vivemos um tempo de mandíbula.

A ordem do dia é delapidar, destruir, apagar, e, de modo voraz, atingir objetivos numéricos cegos e pouco compreensíveis.

Reciclar as dívidas hoje é um roubo às empresas. Devo-te 1.000, dou-te 300. Reciclar as pessoas é pagar-lhes pior. O teu preço/hora era 30 passa a 20. Reciclar os serviços é juntar processos sem qualquer formação ou integração.

A mandíbula tritura e destrói. Lança milhares de pessoas no desemprego e na ruína. Os vendedores entregam, felizes, os produtos que serão a sua forca nas Finanças após faturar, pagar sobre o facturado e nunca ter visto a cor do dinheiro.

A previsível destruição dos Covões

A Urgência do outrora Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) era composta de três serviços de urgências – Pediátrica, Maternidade de Bissaya Barreto e Covões. Os ex-HUC têm igualmente um número de urgências e prevenções considerável. Geral, Maternal, Transplantação.

A tudo isto está imputável um custo inaceitável para uma cidade de 120.000 habitantes. Claro que a cidade dos 120.000 dá apoio, em especificidade, a mais um milhão de cidadãos à sua volta. Mas dá apoio porque nunca aumentou a resposta das cidades à sua volta.

Se Aveiro, Viseu, Figueira da Foz e Leiria responderem melhor, a resposta da cidade dos 120.000 perde hegemonia e perde necessidades. A proximidade dos cuidados empurra para uma melhoria na prestação e acarreta qualidade para os doentes. Numa análise fria e crua, há serviços a mais em Coimbra, há oferta excessiva em Coimbra. Também os estudos revelam que a oferta em Saúde aumenta a procura.

Cabe, então, ao presidente da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) desenhar o novo mapa de cuidados na região, com um plano macro que nos oriente e permita articular. Loucura seria ter cirurgia ambulatória em cada instituição, centro de cardiologia em cada esquina, transplantação em todas as cidades.

Há que redefinir as patologias agudas, as vias verdes da sépsis, do trauma, da complicação cirúrgica major. Não inventamos nada e não investigamos suficiente para que os outros aprendam aqui.

A ineficácia dos custos baseou-se na incapacidade de avaliar, na força do favor ao amigo, na eficácia da pressão política e, por fim, no modo desmazelado e inaudito com que se delapidou o dinheiro público em obras e compras dificilmente compreensíveis.

Há pouco tempo, percorria um corredor onde havia um milhão de euros em material inadequado e, portanto, não utilizado. Uma porta encerrava mais de dois milhões de euros de material radiológico parado, outra tinha uma máquina para distribuir medicamentos, a qual não funcionava há anos –

outro milhão. E podíamos ir por aí fora e perceber a não rentabilidade das decisões que conduziram a tudo isto.

O novo edifício do Pediátrico é o ícone de toda esta loucura, estando fechado em mais de 40 por cento da sua construção. Um Pediátrico como o de Berlim na cidade de 120.000 habitantes. “À grande! É pensar à grande”!

Duas urgências, da dimensão das que temos em Coimbra, são impensáveis tenham lá a consequência que tenham. Mas devem ser fechadas e pronto? A Urgência dos Covões fechada é o princípio do fim dos Covões. Fechada na totalidade, à noite, em breve, desaparecerá por todo. Mas porque não criar consultas abertas de especialidade como resposta a esta praga de urgências? Mas porque não construir um novo modelo de atendimento que atraia os doentes ao seu Hospital Geral? Porque não reduzir as duas urgências e melhorar as dos hospitais que referenciam? Reduzir na origem e melhorar na chegada. Porque não diversificar a oferta de consultas nos centros de Saúde?

Há sempre modos, já estudados e padronizados, de reduzir, reorganizar, reutilizar e reciclar. Porque não fecharam já as duas maternidades (de Daniel de Matos e Bissaya Barreto) e as trouxeram para este espaço?

O que tarda o ambulatório único do CHUC nos Covões? O que estamos a ver é um processo triturador que usa os números de modo cego e disparatado, sempre com uma conceção que castiga, repressora, leonina para uma das partes.

A maior ineficiência conhecida está nos HUC e no modo como privilégios e mandos por ilhas construíram “bunkers” e poderes avessos à estruturação.

Estamos perante um decisor macro que deixa os minor governar a seu belo prazer. O Dr. José Tereso, presidente da ARSC, não fala, com dificuldade nomeia ou despromove, com muita dificuldade traça qualquer estratégia, e o Dr. Roldão aplica o seu plano mandibular sobre os Covões.

No lugar onde está e com os poderes da rainha de Inglaterra, só por vaidade se mantém um homem neste lugar. Não manda, não direciona, não define, não se intromete.

Foi assinado, em 2011, pelo Prof. Regateiro, o plano que apoucava os Covões, mas agora assenta que nem uma luva ao processo em curso.

As decisões fundamentais obrigam a confrontar os “bunkers” e disso o poder parece ter medo. Assim, constrói-se um plano de redução de dívida, matando um dos animais. É uma estratégia escrita, documentada, que destrói a margem esquerda do maior rio português e que delapida o património cultural e histórico da Gaia do Mondego. Onde estiver, Bissaya Barreto deve estar a rezar pela alminha do Dr. Roldão e seus parceiros.

Mas veja-se: estamos de acordo na necessidade de redução. Estamos de acordo na pouca vergonha que levou a tudo isto. Mas há mudanças na margem direita? Há uma integração real das instituições? Há um caminho de concórdia e de respeito? Estamos a respeitar os 60.000 habitantes

da margem esquerda? Falta utilizar os dados recolhidos por Entidade Reguladora da Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), Direcção-Geral de Saúde e tantas outras instituições que observaram e propuseram.

Por: Diogo Cabrita

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