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O fim do império

Gonçalves & Gonçalves foi declarada insolvente, mas sentença ainda não transitou em julgado, enquanto a Toiguarda corre o risco de seguir o mesmo caminho

Quatro meses depois dos primeiros sinais de crise, o “império” Gonçalves & Gonçalves está a desmoronar-se. O seu futuro decide-se agora nos tribunais, onde a “empresa-mãe” do grupo Plataforma SGPS foi declarada insolvente no passado dia 20 de julho no Tribunal da Guarda. A sentença ainda não transitou em julgado, sabendo O INTERIOR que a requerida deverá interpor recurso. Mas será sol de pouca dura, pois a situação financeira do grupo é de tal ordem que «se não for desta, será outro credor a avançar com o pedido», disse fonte conhecedora do processo.

Neste caso, a insolvência foi solicitada pela Comeca, Importação e Exportação, Lda, empresa que se dedica à distribuição de equipamentos e produtos para restauração e hotelaria. O prazo de recurso termina por estes dias e só amanhã se saberá se a Gonçalves & Gonçalves consegue uma moratória. «Se a insolvência for confirmada será o descalabro da Plataforma SGPS porque a Gonçalves & Gonçalves tem participação em todas as outras empresas do grupo», refere a mesma fonte, que pediu para não ser identificada. Mas este não é o único problema judicial do grupo, também a Toiguarda corre o risco de ser declarada insolvente. A ação foi movida por um antigo funcionário administrativo, que reclama créditos superiores a 241.470 euros. O julgamento no Tribunal da Guarda foi adiado por duas vezes, a última das quais na passada segunda-feira, isto porque o advogado do requerente solicitou vários documentos a três bancos, à Segurança Social e à empresa que não chegaram a tempo da audiência. A juíza de turno – uma vez que as insolvências têm caráter de urgência – deu dez dias às entidades em causa para apresentarem os documentos referentes a empréstimos e garantias bancárias, mas também à situação contributiva junto da Segurança Social e à demonstração de resultados da Toiguarda de 2011.

Foi ainda pedida certidão da declaração de insolvência da Gonçalves & Gonçalves, caso a sentença transite em julgado. «Tais documentos devem constar do processo antes de se iniciar a inquirição das testemunhas», declarou a magistrada – que já não será titular do processo quando tiver lugar a primeira sessão do julgamento, agendada para 6 de setembro, por ter sido colocada no Tribunal da Figueira da Foz. O advogado do funcionário da Toiguarda invocou ainda a irregularidade do mandato de António Ferreira, entendendo que a empresa deve ser representada pelo administrador da insolvência, Luís Gonzaga, mas António Ferreira recordou que a Gonçalves & Gonçalves é titular de 56 por cento do capital social da Toiguarda, pelo que «está devidamente mandatado par ao efeito», mas não rejeitou a participação futura do administrador da insolvência. Questões processuais à parte, Carlos Trindade requer a insolvência da Toiguarda por considerar que a empresa já não tem meios nem recursos para fazer face aos seus compromissos.

Trabalhador reclama mais de 241 mil euros

No seu caso, reclama créditos superiores a 241 mil euros. Na petição inicial, a que O INTERIOR teve acesso, o requerente fundamenta o seu pedido de insolvência com o facto dos bens imobiliários da empresa terem sido dados de hipoteca a vários bancos, alguns dos quais já foram penhorados para pagamento de créditos. Já um terreno em Vinhó, no concelho de Gouveia, serve de garantia às Finanças para o pagamento de 141.543 euros, a que acrescem juros de mora de 50.955 euros. Pelas contas de Jorge Pereira, advogado de Carlos Trindade, o valor das garantias prestadas pela Toiguarda são superiores a 5,7 milhões de euros, aos quais haverá que somar uma penhora de 828.581 euros, o que dá mais de 6,5 milhões de euros «de débito da requerida a instituições bancárias, a que acrescem dívidas a fornecedores», lê-se no documento. Em contrapartida, o conjunto dos prédios de que Toiguarda é proprietária terão um valor «não superior a quatro milhões de euros, insuficientes para o pagamento das garantias prestadas».

O causídico sublinha ainda a «promiscuidade» existente entre as diferentes sociedades do grupo Plataforma SGPS (Gonçalves & Gonçalves, Predial da Montanheira, Toiguarda, Garagem D. José e CDV) para concluir que a Toiguarda, «num mês, onerou o seu património em mais de 3,6 milhões de euros» com empréstimos para si e para outras empresas do grupo. Nesse mesmo período, a Plataforma SGPS onerou «a quase totalidade do património das suas empresas em 7,2 milhões de euros». Contudo, em março deste ano, todas elas recorreram à “lay-off” de 230 dos seus 250 trabalhadores. Jorge Pereira conclui então que «os empréstimos contraídos não foram, seguramente, para garantir a viabilidade das sociedades e realizar novos investimentos». A petição inicial sustenta ainda que os bens da Toiguarda e das restantes sociedades do grupo funcionam «em sistema de harmónio».

Isto é, «sendo insuficientes, em execução, os bens de uma delas o garantido/hipotecário irá executar em caso de incumprimento bens de outras sociedades, e assim sucessiva e reciprocamente», realça o documento, que lembra igualmente que todas as sociedades em causa «não geram qualquer receita e só têm despesas». Apenas a área de serviço da A25 se encontra a laborar, embora a Toiguarda tenha transmitido a sua exploração a duas empresas que nada têm a ver com o grupo.

Gonçalves & Gonçalves surgiu na década de 80

Em março deste ano, o grupo empresarial liderado pela Gonçalves & Gonçalves, que o empresário José Gonçalves fundou na década de 80 do século passado, colocou 230 trabalhadores em “lay-off” devido aos problemas financeiros que estão a afetar a atividade da Plataforma SGPS. Trata-se de um dos maiores grupos empresariais da Guarda e da Beira Interior, que registou em 2010 um volume de negócios da ordem dos 110 milhões de euros. A sua atividade, centrada em Vale de Estrela, envolve o ramo automóvel (Garagem D. José, Toiguarda e CDV – Comércio e Distribuição de Veículos), a venda de equipamento hoteleiro e de escritório (Gonçalves & Gonçalves), a informática (SAS), os combustíveis (Toiguarda España) e o ramo imobiliário (Predial da Montanheira).

Luis Martins «Sufoco do crédito bancário» e retração do consumo ajudam a explicar crise daquele que foi um dos maiores grupos empresariais da Guarda e da Beira Interior

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