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Descentralizar?

A “reforma autárquica” do dr. Relvas é uma desilusão a todos os níveis, nomeadamente no que respeita a um velho desiderato nacional: descentralizar. Não, não me refiro à regionalização, ou seja, à criação de estruturas intermédias entre o poder central e os municípios, que só serviriam para tornar o país ingovernável – basta pensar no Alberto João para termos uma ideia do que nos esperava. Refiro-me à transferência direta de competências do poder central para os municípios.

Há mais de 150 anos que as elites nacionais clamam pela descentralização como uma espécie de remédio para os grandes males da pátria. E, no entanto, a centralização persiste para mal dos nossos pecados.

Por que motivo é tão difícil descentralizar?

O século XIX ocupou-se a debater, com minúcia, as desgraças da centralização. Para a esquerda, o culpado teria sido o absolutismo monárquico; para a direita, Mouzinho da Silveira. Como relembra Maria Filomena Mónica, ambos se esqueciam que Portugal, um país formado à volta de um projeto militar, fora desde sempre governado pelo rei. A tradição administrativa nacional é de tutela, não de autonomia. E enquanto os intelectuais se entretêm a fazer o diagnóstico do mal, o poder mantém-se silenciosamente concentrado em Lisboa. Na Monarquia, ainda se criaram dois pacotes de descentralização mas sem quaisquer efeitos. Durante a Primeira República a centralização prosseguiu e com Salazar atingiu o seu apogeu. O pós-25 de Abril herdou um Estado centralizado, omnipotente e arrogante. E é com este Estado que ainda hoje vivemos. Ainda por cima, o poder central tenta compensar a pequenez internacional de Lisboa com uma concentração irracional de serviços. O país sai todo a perder, incluindo Lisboa que está a rebentar pelas costuras.

O problema é que não se trata apenas de má vontade do poder central de Lisboa. No fundo, os municípios não estão muito interessados na descentralização. Há muito que se habituaram à rotina da pequena gestão – recolha de lixo, iluminação pública, obras, mercados – e não estão para grandes maçadas. Sempre que lhes falam em mais competências nas áreas da educação ou saúde torcem logo o nariz. Não pode ser, não temos recursos financeiros e humanos, dizem eles quase apavorados. E de facto não têm. Mas eu só os vejo pedir mais dinheiro. Não me lembro de algum dia terem pedido quadros qualificados da administração central. Eu compreendo. As autarquias há muito que se transformaram em agências de emprego para os da terra e era o que mais faltava ir buscar gente de fora.

É por estas e por outras que eu não tenho grandes ilusões: a centralização, infelizmente, está aí para ficar e durar.

Por: José Carlos Alexandre

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