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A morte saiu à rua num vírus vulgar

Erros de uma estratégia criam pilares de uma catástrofe se insistimos na falésia como destino. Fui dos poucos que criticou a estratégia dos Cuidados Continuados e do aumento de Lares como lugar de abrigo da terceira idade. Também estive contra a estratégia de destruir os hospitais de proximidade.

Um dia expliquei a uma atrevida que nos cuidados continuados em vez de tipologias rígidas havia que colocar doentes por grau de proximidade clínica. Acamados, sem relação social, num quarto. Os que falam em quartos comuns. A personagem insistia que a norma prevalecia sobre as pessoas. Insistiam em retirar qualquer capacidade de resposta aguda, insistiam em não perceber a importância de garantir protagonismo de enfermagem onde o cuidado das necessidades básicas lhes cabe inteirinho. Em Portugal a maior parte dos conceitos nasce de uma viagem saloia e a força de “ter visto lá fora” é quase científica. Assim vai de agrupar os idosos, os convalescentes, os dependentes totais e os pós-operatórios mais prolongados. Sem critério, muitas vezes se misturaram infeções graves com gente em caquexia, mas saudável.

Houve um processo burocrático de distribuição de camas, de favores políticos, de ofertas a amigos e a Presidentes de Misericórdias, utilizando o poder do modo mais saloio e menos inteligente. Criaram-se critérios de funcionalidade incomportáveis com menos de 65 camas e depois ofereceram-se cuidados a Instituições com edifícios onde só haviam 18 ou 24 camas. Benesses que eram dívidas acumuladas, um caminho de abismo. Ter fisioterapia, terapia da fala, rácio de enfermeiros e médicos, dar de comer, manter higiene, atividades lúdicas, farmácia, e toda a panóplia de exigências de qualidade com o valor médio de 75 euros por cama. Acrescentem a isto a dívida bancária de quem construiu os edifícios e tendes o cenário da crise económica. Agora coloquem ainda a dívida acumulada dos 75 euros que demoram oito e nove meses a ser entregues às instituições donas dos edifícios. Faltam fraldas, faltam cremes, faltam carinhos (pouca gente para muito doente diminui o amor e aumenta a pressa), falta bom senso.

Nesta loucura decidiram fazer o encerramento dos cuidados de proximidade onde Hospitais como Cantanhede, Pombal, Águeda, Anadia, Ovar, Centros de Saúde com camas de internamento como Lousã, Miranda, etc. foram perdendo as suas funções e esvaziados em favor de uma coisa vista no estrangeiro. Claro que se os portugueses comiam cabidela e arroz de miúdos e tripas foi por necessidade que o engenho e arte converteram em identidade.

Mas desde o governo de Cavaco Silva que tivemos de gramar os tipos que viram a luz e nos conduzem ininterruptamente para o desperdício, o estrangeirismo e o abismo. Os nossos Centros de Saúde por muito menos dinheiro tiravam milhares de doentes aos Hospitais. A estratégia de os fechar estava errada. A diversificação com identidade específica das funções de retaguarda é fundamental à organização em saúde e às grandes Instituições Hospitalares. O conceito de proximidade e a otimização do desejo de erro zero são os pilares daquilo que o sistema devia construir em Portugal. A família como centro de acolhimento dos idosos, dentro da nossa tradição de sempre, cristã, católica e de procura da excelência. Com pessoas capazes, com o perfil certo, a disponibilidade certa e a formação e educação adequada, seguida da vigilância estreita, podíamos ter milhares de idosos junto dos seus familiares desempregados e sem nenhuma tarefa atribuída.

Não sabe? Aprende! Porque há gente para ensinar e muitos interessados em o fazer. Há muita gente que se empenharia numa ação que é serviço e é carinho e é partilha – e é portuguesa. O que quero dizer com isto tudo: 1- Que há que fechar muitos dos lugares de Cuidados Continuados e otimizar os que ficarem cumprindo com rigor e bom senso a sua função; 2- Que deve investir-se nos hospitais de retaguarda com essa especificidade de agudos e de doenças crónicas; 3- Que há que investir na maior das proximidades – a família.

E porque vem toda esta verborreia?

Porque morreram 3.000 pessoas numa semana em fevereiro último! Morreram idosos, morreram

doentes crónicos, morreram de gripe porque são mais fracos, morreram aos milhares porque encontraram o vírus nos lugares onde os agrupam e isso mata, morreram porque os agrupam, morreram porque estão mais pobres (?) e comem pior (?) e tomam menos medicamentos (?), morreram porque as famílias cada vez menos os querem em casa, porque estão acumulados demasiado perto uns dos outros nos corredores das urgências apinhadas, porque não há vagas hospitalares, porque não há enfermarias de proximidade. Morrem porque começamos a ter falhas de medicamentos (?), morrem porque a estratégia foi completamente errada e isto é a fotografia da falésia. Juntou-se uma temperatura anormal, uma seca invulgar, um drama económico, uma série de alterações legislativas que arrastam miséria – custos crescentes, distancias maiores para os cuidados e vem um Alien – um vírus vulgar e ele mata, mata, mata de morte que diria matada.

Por: Diogo Cabrita

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