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Equidade

Editorial

O Tribunal Constitucional decidiu declarar ilegal o corte dos 13º e 14º mês do funcionalismo público e aos pensionistas da função pública. O argumento foi o princípio básico da equidade.

Anteriormente, o funcionário público Cavaco Silva tinha criticado a falta de equidade na decisão do governo, mas para não azedar demasiado as relações com o PSD de Passos Coelho deferiu a medida. Mas aquilo que há muito reclamava a oposição foi agora analisado e decidido pelos juízes do Constitucional.

Volta a divisão na sociedade entre público e privado. Parece quase uma questão ideológica. Mas não é. De facto, a questão é de constitucionalidade – e essa deve observar-se –, mas na verdade o busílis é o dinheiro, os dois meses a menos que os funcionários públicos irão auferir – e os mil milhões a menos que o Estado irá poupar.

Como muito bem explicitou Vasco Pulido Valente (VPV), no “Público” (com quem nem sempre concordo), «basta um pouco de bom senso e lógica para descobrir que o princípio da equidade não se deve aplicar a duas realidades que manifestamente não são comparáveis». Não há semelhança entre trabalhar na administração pública ou trabalhar numa empresa que sobrevive de acordo com as regras de mercado e da volatilidade das circunstâncias da atividade.

Mas podemos objetivar ainda mais diferenças essenciais. Desde logo, e como muito bem notou VPV, «o Estado é em larga medida irresponsável», o que, normalmente, no privado, significaria a falência, a ruína – e, de facto, se chegámos “aqui” foi precisamente porque o Estado foi irresponsável e criou um défice que agora pesa sobremaneira sobre todos os portugueses. E os exemplos que vamos descobrindo de verdadeiro regabofe na gestão da coisa pública ao longo de 30 anos é verdadeiramente criminosa, porém, os responsáveis, os culpados, não foram identificados nem acusados. No privado, quando há um erro grave, o trabalhador paga por ele, é despedido, vai a tribunal, é condenado. Mesmo quando se consegue fugir às responsabilidades… os delitos e os erros graves têm consequências.

Isto sem esquecermos os privilégios de que goza um funcionário público, de que não beneficia quem trabalha numa loja, num escritório ou numa fábrica. Como comentou VPV, primeiro, ao funcionário público não o podem despedir, nem sequer despromover, e raramente é punido. Segundo, é promovido independentemente do mérito. Terceiro, tem por regra horário permissivo, ou mesmo reduzido. Quarto, tem mais dias férias – podem chegar a 30 dias, mas quem trabalha no privado tem 22, com o prémio de 3 caso nunca falte, nunca adoeça ou não tenha de ir à escola saber do comportamento do filho. Quinto, tem um sistema de acesso à saúde e a cuidados que nem passam pela cabeça de quem trabalha no privado. Sexto, pode reformar-se, todavia, antes dos 64 anos, enquanto o particular só depois dos 65. Sétimo, o funcionário público que o deseje pode desenvolver outras atividades, fazendo concorrência desleal ao setor privado que paga os impostos com que o Estado paga os salários e os vícios da administração pública (e se correr mal também não importa porque o emprego está garantido). Oitavo, «frequentemente arranjou o seu “vínculo ao Estado” por pressão pessoal ou partidária». Nono, o Estado faliu, mas continua a pagar religiosamente os salários dos funcionários no mesmo dia, no privado ainda antes de o patrão estar falido já os salários estão atrasados… Enfim, a maioria dos trabalhadores do privado ganham entre os 450 e 800 euros (que é o salário médio dos trabalhadores em Portugal), correm o risco de não receber ou de serem despedidos a qualquer momento, não têm benefícios de nenhuma ordem, mas gostariam que o Tribunal Constitucional, por uma questão de equidade, lhes assegurasse as mesmas garantias, salário e direitos que os funcionários públicos têm.

Outra coisa é que admitamos de bom grado os cortes cegos que o governo tem feito e que não nos revoltemos pelo empobrecimento a que estamos votados. Mas isto não tem nada a ver com a equidade. Tem a ver com os milhares de erros e oportunismos que os decisores políticos e os gestores públicos têm cometido sem qualquer punição ou responsabilização. E a serem premiados sempre com lucrativas nomeações ou chorudas reformas.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Joaquim Duarte albano.duarte@gmail.com
Comentário:
Se os funcionários públicos têm tantas e tão boas regalias, porque o autor de tão ilustre texto não se candidata a enfermeiro, médico, professor, polícia ou bombeiro?
 
amadeu amadeuaraujo@gmail.com
Comentário:
provavelmente, digo eu que não sou advogado de ninguém, tem malta que gosta de ser premiado pelo mérito e de não aturar chefias lorpas.
 

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