de Rui Aniceto (12º E)
Somos uns idiotas. Sim, nós, os seres humanos, transbordamos de idiotice. Estava na cozinha, à minha frente a televisão insistia em mostrar-me imagens da praia. Apetecia-me naquele momento gritar para o ecrã, onde um homem com cara de bêbedo falava agora da necessidade de ajudar a limpar a costa. Controlei-me, meti a caneca no lava-loiça e saí de casa.
Repito: Somos uns idiotas.
Entrei no carro. Em frente a minha bicicleta ganhava pó. “Tenho de a usar”, pensei, embora soubesse que jamais o faria.
Liguei o carro, e hesitei antes de ligar o rádio. Quando o fiz, fui fuzilado pela voz do mesmo homem que antes me atormentara, o homem com cara de bêbedo. Perdi a calma e gritei para o aglomerado de botões: “Vai tu limpar a porcaria da praia! Idiota!”
Desliguei o rádio, acalmei-me e comecei a conduzir. Pensei depois se não tinha exagerado… O homem – creio que se chamava Cristóvão qualquer coisa (seria Martins?) – devia ter passado os últimos dias a recrutar voluntários. De facto, ele devia ser a força que movia tudo e todos para ajudar a limpar a praia e os animais. Se calhar eu era o idiota…
Tinha acabado de entrar na autoestrada quando vi a placa que indicava que faltavam quarenta quilómetros para o meu destino. Eram nove e meia da manhã e centenas de carros inundavam a estrada. O para-arranca começava a anular o efeito do café, e a única coisa que me mantinha desperto eram os gritos irritados e o buzinar gasto dos carros e condutores que me rodeavam. Somos indubitavelmente uns idiotas…
Arrisquei mais uma vez o rádio: o homem calara-se. Passava agora música clássica – seria Beethoven? Parecia Beethoven.
O trânsito avançava agora sem qualquer dificuldade. Passados poucos minutos (uns três), passei por um carro com o para-choques arruinado e (presumo eu) pelo seu condutor, que estava claramente embriagado. Por curiosidade olhei para o relógio: eram nove e quarenta e cinco.
Passava das dez quando cheguei à praia. Deviam estar umas vinte pessoas a limpá-la. De onde tinha estacionado podia ver tudo: ao longe, no horizonte oceânico a carcaça do navio cujo petróleo banhava a areia; Para onde quer que olhasse o mar estava negro; A praia estava também coberta de crude. Quilómetros de um areal que já não o era, fantasma da praia morta pela estupidez do homem.
Saí do carro e tirei da mala as luvas e a máscara, que coloquei depois de trocar de roupa (obviamente não troquei a roupa toda, apenas a camisola e as calças). Fechei a mala, suspirei, e enquanto caminhava em direção à praia, murmurei: “Somos uns idiotas”.