Durante muito tempo se considerou que a região da Guarda foi ocupada por um povo pré-romano que os diversos autores denominaram de Túrdulos. É comum afirmar-se em monografias locais e em textos de divulgação que algumas povoações da Beira foram fundadas pelos Túrdulos. Em algumas delas indica-se mesmo uma data de fundação: o ano 500 antes de Cristo para Pinhel, 580 para Gouveia e outra data próxima para Castelo Rodrigo. Estes equívocos históricos/cronológicos radicam nas interpretações erradas feitas por autores do século XIX a partir de excertos dos textos de Plínio e de Estrabão.
Mas, afinal, que informações históricas e arqueológicas dispomos sobre este povo? Quem eram os Túrdulos? Estariam nesta região como sempre se supôs? Vejamos os dados actualmente disponíveis.
Segundo Plinio – um importante e muito citado escritor latino do século I depois de Cristo – os Túrdulos, juntamente com os vizinhos Célticos, empreenderam uma longa viagem com o intuito de se estabelecerem noutras terras distantes das suas localizadas a Sul do rio Tejo. Por qualquer razão não estavam satisfeitos com a sua terra que os seus antepassados tinham habitado – a região do actual Alentejo e Algarve.
Sabia-se, também por Plínio, que essa viagem teve como destino o Norte da Península Ibérica, seguindo pelo litoral. Até há pouco tempo julgava-se, sem grande convicção, que os Túrdulos se tinham estabelecido a Sul do Douro. O achado de duas belas placas romanas de bronze com inscrições em bom latim – denominadas tessera hospitalis – no Monte Murado, concelho de Vila Nova de Gaia, veio trazer alguma luz à questão. No texto eram expressamente mencionados indivíduos que se intitulavam a eles próprios como Turduli Veteres, ou seja, Túrdulos Velhos. Estas duas inscrições vinham comprovar, inequivocamente, a presença dos Túrdulos na região a sul do Douro, mais precisamente na região de Vila Nova de Gaia. Mas não temos nenhum dado que confirme a sua presença em terras mais interiores do nosso território.
Por seu turno, os Célticos, que empreenderam a viagem juntamente com os Túrdulos, depois de um desentendimento continuaram a sua viagem para a região de Braga e para a Galiza onde, na época romana, os encontramos com o nome de Neri e de Praestamarci.
Também Estrabão – outro eminente autor clássico – se referiu à migração dos Túrdulos nestes termos: “Os últimos de todos (os povos) são os Ártabros e habitam junto do Cabo que se chama Nério e é o extremo da costa ocidental e norte. Também os Célticos habitam próximo desse cabo e são aparentados com os que vivem junto do Anas (Guadiana). Diz-se que eles, os Túrdulos, durante uma expedição a estes sítios, se revoltaram após passarem o rio Límia; que depois da revolta e da perda do seu chefe, se dispersaram e se fixaram nesses lugares; e que por essa razão, o rio recebeu o nome de Letes.”
Falta-nos a data dessa migração. Segundo uns especialistas, os Túrdulos e os Célticos deslocaram-se para a região do Douro no século VI antes de Cristo, enquanto que para outros estudiosos do tema essa migração teve lugar cerca de 300 anos antes de Cristo.
Por: Manuel Sabino Perestrelo
