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Com descontos e sem contestação

Editorial

1. Sob o lema “faça as compras do mês e pague só metade do preço”, uma rede de supermercados “contornou” o espírito do dia do trabalhador com uma enchente irrepetível. Se até agora o 1 de maio era um dos três dias em que a grande distribuição encerrava, este ano, sob a forma de 50 por cento de desconto, ao dia do trabalhador foi dado um golpe de misericórdia. O apelo ao consumo foi mais forte que a tradição da comemoração do Primeiro de Maio. O marketing e a estratégia comercial ganharam. As pessoas, compreensivelmente, não puderam resistir à tentação alarve de encher a dispensa por metade do preço. Podemos ficar estarrecidos com a febre consumista, mas o que fica em evidência é que perante os apertos de tesouraria que as famílias sentem comprar o necessário e o supérfluo por metade do preço é um chamamento a que ninguém pode dizer que não. Em especial os trabalhadores para quem 100 euros fazem toda a diferença…

Porém, e este é o aspeto mais extraordinário da jornada, enquanto nos demais países milhões de pessoas saíam à rua para celebrar o dia do trabalhador, os portugueses empurravam-se no Pingo Doce entre as prateleiras do arroz e as batatas fritas; enquanto nos demais países europeus as pessoas saíam às ruas para protestar contra a austeridade, os portugueses degladiavam-se por um carrinho de compras no estacionamento de um supermercado; enquanto na Grécia ou em Espanha as pessoas se mobilizavam pelo crescimento e contra o empobrecimento decretado pela senhora Merkel, os portugueses gastavam centenas de euros em bens de primeira necessidade e em produtos perecíveis e comprados no estertor do desconto; enquanto nos demais países se enchiam as avenidas em defesa do trabalho, contra o desemprego, em Portugal encheram-se os supermercados como se não houvesse amanhã… Impávidos e serenos, os portugueses não se mobilizam contra as medidas austeras e destruidoras da economia com que a “troika” nos resgatou e que são constantemente exponenciadas. O medo e a modorra anestesiaram o país. Não há nada a fazer salvo ir às compras. No país dos brandos costumes, a PSP saiu à rua no dia do trabalhador, mas não foi por causa das manifestações, foi mesmo por causa dos descontos do neto do comerciante do Safurdão. Alexandre Soares dos Santos não fez liquidação total, mas parecia – a Holanda aguarda o pecúlio, todavia sem austeridade.

2. O aniversário do TMG tem a feliz coincidência de comemorar a inauguração do mais relevante espaço de agitação cultural da região no dia da Revolução. E foi nesse contexto que Rodrigo Leão ocupou o palco com um concerto memorável, em que celebrou a liberdade, a ousadia, a cultura, a harmonia, a beleza, a música… E ainda teve tempo para homenagear Miguel Portas, no dia em que, na Assembleia da República até o BE se esqueceu do seu fundador, militante e deputado europeu – menos mal que o improvável Pedro Pinto, do PSD, se curvou perante a memória de um dos mais relevantes e intervenientes políticos contemporâneos. Nas derrotas e nas vitórias, este Portas foi sempre um irascível lutador pelas pessoas – muito para além da política, da militância, da discordância, da divergência, ficavam as causas que uniam, o humanismo, a liberdade, as pessoas. Há datas e celebrações assim, com tudo para serem memoráveis.

Luis Baptista-Martins

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