Alguns médicos do Hospital Sousa Martins, da Guarda, estão revoltados e insatisfeitos com o trabalho desempenhado pelo serviço de Radiologia nos últimos meses. Os alegados «erros» da única médica radiologista em vários exames complementares de diagnóstico, nomeadamente ecografias, têm suscitado algum mal-estar sobretudo no seio dos clínicos que trabalham mais directamente com este serviço, como é o caso da Cirurgia, Ginecologia e Medicina Interna. É que os resultados dos exames feitos por esta médica – que substituiu a radiologista e chefe de serviço Graça Simões – terão sido sucessivamente contrariados por outras instituições de saúde, nomeadamente de fora da Guarda, o que terá provocado alguma revolta junto de alguns médicos, uma vez que um erro nestes exames pode ter consequências «imprevisíveis» e «potencialmente preocupantes».
O facto é que se trata de um «exame de charneira» em qualquer situação médica e de um serviço «imprescindível para o hospital funcionar», diz um desses médicos, salientando ainda que «nada se faz sem a Radiologia funcionar em condições». E, ao que parece, é isso que vem acontecendo de há alguns meses a esta parte, tendo em conta não apenas as queixas dos médicos que chegam mesmo a afirmar que a radiologista «não tem experiência e é má naquilo que faz», como pelos diagnósticos a que “O Interior” teve acesso (estes exames têm, no entanto e segundo técnicos por nós contactados, probabilidade de margem de erro considerável). Um dos que é considerado como mais berrante é datado do dia 2 de Outubro passado, em que a radiologista do Sousa Martins fez uma ecografia do abdómen superior a um indivíduo, em cujo relatório a considera como “inconclusiva”. O mesmo indivíduo foi analisado 11 dias depois no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, onde lhe foram detectados “múltiplos cálculos distais, o maior com 20 milímetros (dois centímetros)”. «Como é que ela não viu uma “batata” deste tamanho?», questiona o médico. Outro caso data de 22 de Setembro deste ano e reporta-se também a uma ecografia do abdómen superior que terá sido feita pela médica radiologista a outro indivíduo e que conclui pela “inexistência de evidentes lesões focais”. Cerca de um mês depois, o doente foi submetido a uma TAC (Taxionomia Axial Computorizada) abdominal num Centro de Diagnóstico e no qual foram detectadas imagens sugestivas de “mestátases”, bem como uma “neoplasia do cólon direito”. «Isto é um verdadeiro tumor, como é que ela não o detectou», questiona aquela fonte, visivelmente revoltada com esta colega.
Erros da radiologista serão «apenas a ponta do “iceberg”»
Mas há muito mais situações, uma das quais data de 7 de Julho último, em que a radiologista terá realizado uma ecografia abdominal a outro sujeito, «sem ver os exames anteriores», de onde concluiu “Exame de acuidade algo diminuída pelo biótipo ecográfico do paciente e pela topografia subcostal do fígado”. «Todos os fígados são subcostais», realça outro médico, afirmando que a radiologista «tem obrigação de olhar para o doente como um todo e não o faz». É que numa TAC torácica feita fora do hospital cerca de um mês antes à mesma pessoa, concluiu-se: “São visíveis a nível do lobo esquerdo e ainda a nível do lobo direito, segmento IV, pelo menos três nódulos do fígado, o maior com cerca de 1cm”. Num outro exame feito ao mesmo indivíduo já em Agosto deste ano no Sousa Martins e por Graça Simões, foi diagnosticado “pelo menos duas pequenas formações nodulares, com 14mm, que podem corresponder a lesões secundárias (metástases). No segmento IV, esboça-se uma outra formação nodular”. «Verificamos que ela nem sequer vê o histórico do doente, pois as coisas não mudam num espaço de tempo tão curto», continua o mesmo clínico, afirmando ainda que a médica usa um «palavreado típico de salvaguarda para esconder a sua inexperiência técnica, pois tem consciência das suas limitações mas pensava que estavam disfarçadas».
Os médicos explicam ainda que uma ecografia «pode condicionar se uma intervenção é urgente ou não e definir o destino a dar a uma urgência», porque «é o primeiro exame em muitas situações traumáticas de urgência». «Só quando morrer alguém é que irão alterar esta situação», continuam, salientando que não se trata de negligência, mas de «erros, muitos erros» de uma profissional que terminou a especialidade há pouco tempo e que «deveria ter entrado numa equipa, colaborar e aprender». «Ela demonstra não ter capacidade técnica adequada a muitas circunstâncias e além disso está sozinha», dizem em uníssono, garantindo tratar-se de uma situação «grave», mas que será apenas «a ponta do “iceberg”».
“O Interior” contactou outros clínicos que, sem querer identificar situações concretas, confirmaram haver um ambiente de insegurança e algum receio com respeito aos exames feitos pela radiologista. Assim mesmo, um dos clínicos lamentou que os médicos não procurem discutir o relatório dos exames com a radiologista, por forma a esclarecer a terminologia utilizada por esta e, assim, ficar definida a interpretação correcta do exame. Até à hora de fecho desta edição, não foi possível obter qualquer comentário da parte da médica.
Rita Lopes