Sou teimoso e não largo o osso: por que razão Camilo foi retirado dos programas das escolas? Para começo de conversa, Camilo é um empecilho à narrativa hegemónica que os portugueses desenvolveram sobre Portugal, a narrativa queirosiana. Mas este ponto não explica tudo, não explica toda a aversão dos pedagogos pós-moderninhos a Camilo.
Relendo o “Amor de Perdição” (que nem sequer é dos melhores de Camilo), podemos encontrar mais algumas causas do piparote pedagógico que o nosso Camilo levou nos costados. Para começar, convém relembrar que os pedagogos do nosso ministério tratam jovens de 16 anos como crianças de 6 anos. Há uma infantilização total ao longo de todo o secundário. Com isto em mente, olhemos para o momento em que Teresa ouve o seguinte do pai: “A senhora é indigna de Baltasar Coutinho. Um homem do meu sangue não aceita para esposa uma mulher que fala de noite aos amantes nos quintais. Vista-se depressa, que vai para o convento”. Ora, os pedagogos da treta devem achar que as crianças não são capazes de perceber que isto é referente a uma época passada, e, por isso, querem evitar o confronto das crianças com este machismo empedernido. Aliás, os pedagogos devem pensar que estariam a legitimar o machismo se deixassem as crianças ler isto. Para piorar as coisas, Camilo não fez ao lado um texto progressista a criticar estas relações pai-filha. Para Camilo, as coisas eram o que eram. Coisa imperdoável para os nossos pedagogos. Assim, no final do dia, as crianças ficam sem saber que no século XIX os pais mandavam mesmo nas filhas e que os casamentos eram arranjados (ler, a este respeito, as memórias do Duque de Palmela).
Depois, há em Camilo uma sinceridade que não encaixa no cinismo queirosiano e, acima de tudo, no cinismo pós-moderno que nos apascenta. Aos olhos do leitor de hoje, os excessos sentimentais das personagens de Camilo são irreais, caricaturais, implausíveis. “Mas então a tipa escolhe ir para um convento em vez de casar com um bonitão rico?”, “mas então o tipo saca logo da pistola só porque o outro tentou seduzir a amada?”. Estes excessos não são plausíveis aos olhos da ironia pós-moderna. O que é uma pena. Revela uma falta de imaginação. Revela que os leitores de hoje só concebem a existência de pessoas iguais a nós, pós-moderninhos, cínicos e irónicos. A bruteza de sentimentos nobres de Camilo não encaixa numa cultura que só sabe lançar ironia sobre aquilo que é sincero e nobre. O próprio Camilo antecipou este cenário: “Amor de Perdição, visto à luz eléctrica do criticismo moderno, é um romance romântico, declamatório, com bastantes aleijões líricos, e umas ideias celeradas que chegam a tocar no desaforo do sentimentalismo (…) Dizem, porém, que Amor de Perdição fez chorar. Mau foi isso. Mas, agora, com indemnização, faz rir: tornou-se cómica pela seriedade antiga (…) e vinga-se barrufando com frouxos de riso realista as páginas que há dez anos aljofarava com lágrimas românticas” (prefácio à 5.º edição, 1879).
Por: Henrique Raposo