Na semana em que o jornal “Sol”, perdão, em que o “Sol” informou o país que Pedro Passos Coelho tem medo de ser escutado, o ministro das Finanças continuou a falar baixinho e pausado aos jornalistas, que começam a aborrecer-se de participar em conferências de imprensa onde as perguntas são mesmo respondidas e há explicações para tudo. Os jornalistas querem um ministro que os ofenda, aulas eles já tiveram na universidade (embora a maioria tenha faltado às de macroeconomia). A que propósito vem isto em vez das viagens pelo Interior sem pagar portagem?, pergunta o leitor e faz bem, porque perguntar não ofende ninguém, nem mesmo o ministro das Finanças.
Começo por explicar que, tal como o Primeiro-Ministro tem medo que o andem a ouvir, também eu tenho receio de andar a ouvir coisas. Ouvi, por exemplo, que as notas de Português baixaram de uma forma catastrófica. Obviamente, não acreditei nessas vozes que me surgem na cabeça e desliguei a TSF. Notas más a Português? Impossível. Depois de seis anos a maravilhar Portugal com estatísticas e resultados, ninguém acredita que o Governo anterior não tenha deixado as criancinhas portuguesas pelo menos com mais 15 pontos de QI. E as autoestradas sem portagem, como é?, repete o leitor, é que da primeira vez teve graça, mas agora já começa a tornar-se aborrecido.
O facto é que estas vozes do Apocalipse educativo surgiram-me na viagem Guarda – Castelo Branco por troços sem portagem. Foi nesse momento que percebi que os inventores do acrónimo SCUT também não teriam boa nota nos exames de Português. SCUT pretende representar a expressão Sem Custos para o UTilizador. A primeira objeção a este neologismo diz respeito à diversidade semântica. Sem custos para o utilizador pode referir-se a qualquer coisa de que as pessoas usufruem sem pagar uma taxa no momento da sua utilização. Alguns exemplos de SCUT’s: um carrossel num parque infantil, um arbusto à beira da estrada em momentos de aflição, a namorada no fim de uma noite de copos.
Assim, para ser correto, o acrónimo deveria apresentar a letra A, de autoestrada. Seria, portanto, ASCUT. Austoestrada Sem Custos para o Utilizador. Aceitando como pouco relevante o facto da preposição “para” estar em minúsculas e não integrar o acrónimo, já não considero correta a utilização de duas letras da última palavra. Essa tradição não é portuguesa. O D e o E em PIDE significavam duas palavras diferentes, não era “demente”. Aliás, era demente, mas quem lhe deu o nome não terá pensado nisso. Por isso, a A23 e a A25 deviam estar classificadas como A.S.C.U.: Autoestradas Sem Custos para Utilizador.
Como foi explicado na semana transata, o objetivo desta série de três textos é tentar descobrir como chegar da Guarda a três pontos geográficos do Interior sem nunca passar por trajetos de qualquer ASCU. Esta semana, o destino era Castelo Branco. O ponto de partida desta viagem, a rotunda do G, é facilmente reconhecível para qualquer cidadão da Guarda. Ao contrário dos homens do resto do planeta, qualquer guardense sabe indicar onde fica o G. Curiosamente, o trajeto desta viagem assemelha-se aos conselhos da sexóloga Vânia Beliz. Começa-se do ponto G e a partir daí é sempre em frente.
Sempre em frente pela Nacional 18, com a impressionante descida junto à encosta da serra, tornando mais emocionante a tarefa de equilibrar um Big Mac e uma Coca-Cola Zero nas mãos. Segue-se o trajeto pacato e arborizado até à entrada de Belmonte, após passagem ao lado pelo campo de golfe, sem parar, uma vez que o objetivo destas crónicas é tentar evitar gastos exagerados. Para os viajantes que levem tempo ou apanharem cinco camiões em fila, aconselha-se a paragem para ver Centum Cellas, uma casa de família do tempo da colonização romana. Bem, agora que já expliquei o que é, se calhar não vale a pena parar e perder a oportunidade de tentar ultrapassar cinco camiões de enfiada nas retas seguintes. É uma casa de família do tempo da colonização romana. É tudo. Pode seguir.
A estrada até ao Fundão é irritantemente razoável. Um cidadão quer protestar por lhe tirarem a autoestrada gratuita e a estrada que passa ao lado afinal não é horrível. Claro que esta observação foi feita enquanto os automóveis e os veículos pesados percorriam a distância pela autoestrada e o observador não tinha compromissos. À saída do Fundão, o primeiro troço turístico. Para chegar a Alpedrinha sobe-se e desce-se a Serra da Gardunha, avistam-se outras serras ao fundo, os vales de um lado e outro (um na subida, outro na descida). Para os habitantes de um lado e outro da Serra, a escalada da Gardunha poderá ser novamente um Regresso ao Futuro.
De Alpedrinha até Castelo Branco, a estrada percorrida torna-se uma espécie de irmã da ASCU A23. Tal como duas irmãs, estas estradas caminham sempre lado a lado, mas a mais velha é mais estreita, tem menos gente em cima e nunca vai cobrar dinheiro.
Eis-me chegado ao destino. Aqui, caberá ao leitor decidir que caminho seguir para entrar na grande cidade ou até, se preferir, desviar-se e ir até em Castelo Branco. Para isso existem muitas entradas, todas elas com rotundas que permitem, em caso de arrependimento, dar a volta e regressar.
No regresso, as vozes na minha cabeça parecem-se agora com Nuno Crato, e ouço-as anunciar o aumento das horas letivas de Português para os jovens adolescentes. O plano estende-se às regiões do interior, onde se prevê uma melhoria substancial do rendimento escolar dos jovens. A ideia do Governo passa por rendibilizar o tempo dos alunos cujas famílias vão deixar de poder passear ao fim-de-semana, por não poderem pagar as portagens das ASCU.
Agora talvez o leitor perceba como Eduardo Guerra Carneiro tinha razão, isto anda (mesmo) tudo ligado. O que o poeta não chegou a saber é que algumas ligações iriam passar a pagar portagem.
Por: Nuno Amaral Jerónimo