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Guarda – Vilar Formoso

Fora de Pórticos

Num verdadeiro serviço às populações, o jornal “O Interior”, sempre preocupado em cumprir a sua parcela de serviço público, mandou-me estrada fora à procura dos caminhos que havemos de percorrer quando os pórticos das auto-estradas estiverem activos e cada passagem na A25 e na A23 custar mais que uma ida ao cinema com pipocas. Queriam saber distâncias percorridas, tempo demorado e pontos de passagem. Indiquei-lhes o Google Maps, o Via Michelin e dois contrabandistas reformados.

Aceitei o trabalho em troca de cinco grades de Coca-Cola Zero e nunca mais escrever sobre certo primeiro-ministro que me tirou o sono e 8% do ordenado.

Não pretendendo fazer uma reportagem – para isso o jornal tem bons jornalistas, embora ocupados a tratar de coisas realmente sérias – haverá neste conjunto de textos preocupações informativas, descritivas e com referências culturais. Seria mesmo bastante previsível que um autor clássico, que escreveu uma monumental obra sobre viajar em Portugal, seja a referência primeva desta série. Falo, obviamente, de Mário

Gil, ilustre cantor filho de guardense, autor da popular canção “Pelos Caminhos de Portugal”. Gil viu coisas sem igual mas lembra ainda lhe falta ver muita coisa boa. Nomeadamente pórticos que apitam quando passamos por baixo. A sorte de Mário Gil é que escreveu esta canção ainda antes da introdução de portagens. Caso contrário, de tanto caminho percorrer, muitos direitos de autor precisaria ele para pagar as contas à Brisa e à Ascendi.

Outra referência, embora menos conhecida por quem frequentou o ensino secundário nos últimos cinco anos, é o livro “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett. O autor contrapõe aqui o país velho de Frei Dinis ao Portugal novo de Carlos, que vai a Santarém visitar Joaninha. Também neste conjunto de textos que agora se publica se regressa às estradas do velho país de 1980, como se Frei Dinis voltasse das páginas de Garrett ao alcatrão mal amanhado. Carlos gosta das auto-estradas mas para visitar Joaninha mais vezes terá de comprar um dispositivo de cobrança electrónica. Almeida Garrett lembrou-se de muitos recursos estilísticos modernos, é certo, mas de dispositivos electrónicos não se terá ele lembrado. Esse recurso teremos de agradecer a quem nos prometeu estradas de borla e construiu as que temos de pagar por cima das gratuitas que já tínhamos. Quem dá e tira ao inferno vai parar, diz o povo e com razão. Por isso também se diz que para Secretário-Geral do PS venha o Diabo e escolha.

Para escrever esta série optou-se pela abordagem turística. Ter um mapa e fazer perguntas. Após alguma reflexão, considerou-se que o uso de um GPS seria inadequado por duas razões. Primeira, porque o interesse deste desafio era saber como os condutores sem aparelhos electrónicos podem reconhecer a viagem. Segunda, porque eu não possuo tal coisa.

O primeiro percurso efectuado sem passar por estradas onde a Ascendi cobra bilhete foi até Vilar Formoso. A escolha para primeiro percurso foi apenas porque dava jeito encher o depósito a preços de Espanha. Sorte a minha que antes de começar viagem verifiquei no mapa que a estrada que me levaria até à fronteira é a Nacional 16. Sorte a minha também que supunha (e bem) que a Nacional 16 em direcção a Vilar Formoso sai da zona da Guarda Gare. Digo sorte porque em lado nenhum existem indicações para quem quiser evitar a viagem através dos pórticos.

Após entrar na Nacional 16 a viagem é tão simples com as jogadas de Hulk. Muito embora nunca haja nenhuma indicação do destino, basta seguir em frente até chegar à baliza (no meu caso, Vilar Formoso). Quando a estrada estiver congestionada de trânsito para escapar às portagens, talvez seja mais difícil ultrapassar um camião TIR do que a defesa do Sporting, mas essa é uma informação que só depois daqui a uns meses poderemos confirmar, quando Domingos tiver a equipa em pleno funcionamento.

Se Mário Lino dizia que a margem sul do Tejo é um deserto, provavelmente chamaria ao trajecto da Nacional 16 a face escondida da Lua.

Além das aldeias que a estrada cruza ou passa tangente – Arrifana, Gonçalo, Valdeiras, Granja, Pínzio, Castelo Bom – a viagem tem três pontos de interesse: uma placa à entrada de Pínzio que avisa para a possibilidade de rebentamento de explosivos, talvez uma referência à oposição social de que Carvalho da Silva é porta-voz; uns estaleiros de uma empresa chamada Prepor, cuja actividade não compreendi, mas que gosto de imaginar que seja um estaleiro onde se constroem enormes preposições; e a placa que indica Vilar Formoso, precisamente quando se chega a Vilar Formoso. Não sendo uma placa redonda, que indicaria proibição, é uma placa redundante.

Depois dos estaleiros da Prepor começa a descida até ao rio Côa, onde a estrada é mais curvilínea (nas estradas e nas mulheres curvilínea é sinónimo de sinuosa) e as ultrapassagens em tempos de portagens serão uma aventura – e agora estou a falar das estradas.

Numa apreciação geral esta é uma viagem fácil de fazer, uma vez que não há grandes motivos para enganos na estrada, a não ser as minis servidas nos sucessivos cafés de beira de estrada que se vão encontrando.

Quando o trânsito voltar a passar por esta Nacional 16 prevêem-se boas horas de convívio ao volante. Com poucos pontos de ultrapassagem, deparar com um pesado à frente será o equivalente a um primeiro-ministro como o Berlusconi. Incomoda, mas é o diabo para nos vermos livre de tal fardo.

Mário Gil, no seu canto clássico, dizia que “já não tarda / a terra do meu pai / a tão querida Guarda”. Não tarda, é verdade, se for pela A25. Não tarda, mas talvez a carteira arda.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

Guarda – Vilar Formoso

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